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outubro 4, 2017
Losing it por Laura A. L. Wellen
Losing it
LAURA A. L. WELLEN
Estas pinturas contêm estranheza e desconforto. Pelo menos é o que Paulo procura quando as produz, é o que o leva de volta à abstração, à tela inúmeras vezes. Aqui não há narrativa, e assim a tarefa do escritor – minha tarefa – fica mais difícil, menos fundada em substantivos e advérbios, mais em descrições e sensações. De certa forma, estas obras estão interligadas como palavras em uma sentença. Na verdade, Paulo prefere intitular exposições a trabalhos individuais. Assim, fragmentos de pensamentos formam uma ideia comum. E, afinal, o que são palavras além de abstrações articuladas e combinadas que se conectam a abstrações ainda maiores, como emoções, experiências, fatos que já aconteceram, histórias. Se removermos a narrativa, descreveremos impressões. A ciência por trás das emoções revela que entendemos e embarcamos nos estados emocionais alheios. Isto é, flutuações emocionais literalmente pairam no ar. Como podemos falar dessa coisa intangível, essa coisa que permeia o espaço, essa sensação inexplicável de pavor e loucura que invade nossas experiências?
Este texto será traduzido para o português e ficará no mesmo espaço das pinturas, mas muito distante do meu próprio mundo, dos significados acordados do meu idioma e dos meus espaços. Será que estou dizendo coisas que irão repercutir em uma língua diferente, em um contexto diferente? Isto que escrevo também é abstração, apesar de raramente usarmos o termo para descrever o trabalho do escritor ou curador. Tenho lido sobre descrições de cores para pensar sobre o material de abstração e figuração, e sobre de como investimos nossa energia emocional nas cores. Descrevendo o azul, Rebecca Solnit declara: “A cor da distância é a cor de uma emoção, a cor da solidão e do desejo, a cor de lá visto daqui, a cor de onde você não está. E a cor de onde você nunca poderá ir." [1] Paulo me diz que assiste à nova versão de Twin Peaks e, é levado para o contexto distante do enredo. “Não conseguimos tê-lo”, ele escreve, “e então o conseguimos para perde-lo novamente.” É como o azul profundo no horizonte, sempre escapando pelos nossos dedos. Na verdade, o efeito é sugerido na atmosfera, não na narrativa. Está na tensão, no desejo, e no peso do ar. Paulo retorna a trabalhos do começo dos anos 90, e inclui pinturas nas quais existem grandes espaços vazios, ambiente e vazio, tensão e sugestão. O que paira no ar aqui, ou, talvez, naquela época? Não é apenas uma questão de abstração ou de materiais de pintura. Hoje, produtos químicos são pulverizados sobre a cidade em que vivo para matar os mosquitos decorrentes da maior enchente da história dos Estados Unidos, causada pelo furacão Harvey. O que satura o ar de onde vivemos e como isso vai nos envenenar ou proteger; como isso vai ocupar os nossos dias e assombrar as nossas noites agitadas?
O oval azul-cobalto usado por Paulo, pairando sobre um azul-celeste num plano de fundo preto, é, na minha opinião, o azul da distância, aquele azul incognoscível que mistifica e interrompe, e é também o distanciamento que Paulo e eu experenciamos ao falar sobre este texto, sobre esta exposição que eu não verei, ou verei somente por fotos. “Sou levado por algo que não entendo detalhadamente”, escreve Paulo, “mas tenho prazer com as imagens, a estranheza, a singularidade... os detalhes... a pictoricidade... como eles apresentam algo a alguém que não está nem um pouco interessado na estória, mas em todo o resto”. Ele está escrevendo para mim sobre a televisão, mas é também sobre pintura, especialmente sobre pintura abstrata. Atente para tudo, atente para a estranheza, atente para os detalhes, para a tinta... aquele azul na tela, pairando no espaço. Tal como o passado, como a abstração, como o presente, como as palavras compartilhadas nos idiomas e lugares, como o azul distante que você consegue apenas compreender, você o tem somente para deixá-lo escapar novamente.
[1] Rebecca Solnit, "The Blue of Distance," in A Field Guide to Getting Lost (New York: Penguin, 2005): 29.