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agosto 28, 2017
Antonio Manuel por Franz Manata
Antonio Manuel
FRANZ MANATA
Segundo Guy Brett, “há pelo menos três áreas de atuação nas quais se desdobra o trabalho de Antonio Manuel: poderíamos chamá-las de “nexo da pintura”, “nexo da ação” e “nexo do espaço”. As três operam paralelamente, seguindo suas naturezas separadas, se sobrepõem e se entrelaçam para construir a resposta humana e corajosa aos conflitos e possibilidades de seu tempo nos domínios artístico e político”. Mas de fato, é na pintura nessas três esferas – a ação e a pintura articuladas com o espaço – que encontramos sua síntese que, como forma austera, projeta-se para o meio ambiente como arquitetura afetiva.
Mesmo que a pintura de Antonio Manuel tenha surgido publicamente no contexto dos anos 1980, momento de revalorização do suporte, o interesse por seus elementos constitutivos – ponto, linha, plano, luz, cor, volume – já estava presente em seus guaches, nos primeiros desenhos realizados sobre papel impresso (Jornais, 1966-1968) e nas suas intervenções sobre Flan (1968-1975), cujo desejo era o de contar histórias pesadas. Mas, já naquela época, encontramos estruturas “mondrianescas”, nas quais podemos reconhecer elementos do seu embate pictórico. Para ele, seus guaches não são “elementos de desenho”, mas “pequenas pinturas de cor”.
Em dado momento, a pintura se torna uma questão artística e caminha para a abstração, “foi quando o trabalho teve que ganhar a escala da casa, com o nascimento de meus filhos”, diz o artista. Suas primeiras pinturas datam de 1982: pequenos recortes de linho, irregulares, que apresentam áreas de cor de caráter geométrico, com linhas arquitetônicas conjugadas a linhas vacilantes com resquícios de figuração.
Segundo o artista: “uma das dificuldades que encontrei com a pintura foi a mudança de uma figuração para uma pintura abstrata. Os panos de linho cru da década de 1980 marcaram o processo do desligamento da figura para uma abstração geométrica. Pouco a pouco, o poder da imagem foi se abstraindo, dando margem a criação dos espaços construtivos”.
Em 1990, Antonio Manuel pinta Emigrante, uma tela cinza-escuro, com o espaço cortado como um horizonte, onde a imagem é feita por sombras de figuras aplicadas e retiradas da tela, que sugerem uma casa, uma pessoa e um martelo, objeto que já havia aparecido nas Urnas quentes (1968) e que retorna, posteriormente, nas ações
de quebra dos Muros.
Não é possível deixar de mencionar a natureza pictórica presente em Ocupações/Descobrimentos (1998), esculturas e instalações que giram em torno da ação dura e violenta de abrir buracos em paredes, e de criar áreas de cor e contenção, como espaço de possibilidades abertas. Para Paulo Venâncio, “o obstáculo e a passagem formam um par constante na obra de Antonio Manuel”, como um mesmo problema que articula estruturas geométricas, com frontalidade vazada, construindo uma arquitetura aberta virtual. A pintura pulsa como a realidade. “O impacto visual que se pretende é muito mais direto que discreto, mais próximo da parede que da tela”.
Não é possível estabelecer uma unidade fechada do quadro justamente por sua articulação com a arquitetura e a experiência sensorial do espectador acionada pela estrutura cor. Não há superfície, mas arquitetura. Seus furos, intervenções feitas com cortes nas telas ou nos Muros, causam impacto imediato, criando desejos de contenção e de ação. Cada quadro indica um evento único, e seu espaço “decomposto em cifras geométricas, claras e inesperadas”, articuladas com a arquitetura, cria “um fato”, que intervém em nossa percepção fenomenológica. O título “é o pensamento da obra”, onde habitam uma ou outra ideia paradoxal.
Conversando sobre seu processo de pintura, ele disse: “certa vez, como não tinha ideia do que pintar, parti do retângulo. Coloquei o retângulo amarelo e ele me ‘disse’ o próximo passo.” Cada intervenção indica a próxima. Sua pintura não parte de um projeto e não tem algo prévio a ser executado, pois seria meramente ilustração. Para Antonio, “o importante é o desafio do dia a dia”, é como se precisasse descobrir o próprio trabalho a cada momento. Incluindo aí o ato de olhar e o tempo da espera. Para ele “o ato de olhar é também uma ato de pintar”. E segue, “fico dois dias olhando para pintura, sem botar a mão na tela, e ainda sim estou pintando”.
No trabalho de Antonio Manuel não há diferença entre pintura, instalação, objeto, performance. Ele trabalha, a um só tempo, em termos de linguagem. Sua produção é múltipla e diversificada, com coerência poética única. Um trabalho que envolve aspectos formais, performativos e políticos, e que desde sempre teve uma preocupação construtivista e brasileira.
Sua pintura parte do desejo de pintar e não de uma vocação de ofício, o que justifica seus treze anos sem apresentar uma exposição de pintura. Não se trata de uma produção em “séries”, mas sim uma produção de “estados” de necessidade de pintar.
Franz Manata
Rio, inverno de 2017
Antonio Manuel, Cassia Bomeny Galeria, Rio de Janeiro, RJ - 30/08/2017 a 24/10/2017