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agosto 8, 2017
Carta por Marcia Xavier
São Paulo, 12 de agosto de 2017
Mãe,
Mergulhei naquele preto profundo das fotos do seu casamento. Aquele acidente com as imagens me deixou à vontade pra entrar. A água que escorreu dentro da lareira, alquimia dela com o fogo, entrou na cena fotográfica como uma lava de vulcão, onda do mar, imagem aérea, fungo. Carreguei para dentro minhas pedras, pesei uma sobre cada foto e soprei o pó - ágata, pirita, magnesita, cristal, mármore. Geologia doméstica, geologia amorosa.
Parece que, no meu trabalho até aqui, eu explorava uma tridimensionalidade pra fora das imagens e agora me vejo escavando pra dentro.
Arrastei meu corpo pelo chão e deitei sobre o papel fotográfico. Me cobri de luz. Quatro, três, dois segundos e virei pedra, prata e estanho. Leve e brilhante, meu corpo flutuava, entre véus e garrafas, solto no espaço de gravidade zero. Levitei. Achei que tinha acordado quando senti meus pés tocarem o chão. Levantei. Vi na minha frente a caverna e ela me engoliu de novo pra dentro da foto. Segui pelo corredor escuro e olhando pra baixo, vi as duas mãos da santa feitas de pedra. Mas foi só quando ergui o rosto que pude entender a imagem - a pedra virou carne, entrei dentro de você e dentro de mim. Revelei.
Marcia Xavier
Marcia Xavier - Geologia Doméstica, Casa Triângulo, São Paulo, SP - 14/08/2017 a 16/09/2017