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agosto 4, 2017
do silêncio: vers Leonilson por Ricardo Resende
do silêncio: vers Leonilson
RICARDO RESENDE
O silêncio muitas vezes nos é estranho. Como arte, é desistir das palavras para escutá-lo em uma situação natural, desconhecida, restando apenas o exercício de ver. Não se deve falar quando não se tem nada a dizer; o lógico seria apenas observar e acalentar o pensamento com o silêncio diante dos objetos de arte, por exemplo.
No entanto, é difícil hoje em dia encarar o silêncio, esse eterno a que Hamlet se refere, que é o que mais amedronta o homem contemporâneo. Na verdade, nossa sociedade pensa os silêncios de forma negativa. Foge de qualquer forma de silêncio, que parece perturbá-la. Se ela depara com o ambiente vazio, precisa preenchê-lo com sons e ruídos imediatamente, para não ter que se confrontar com ele.
Na arte, pode ser o silêncio encontrado em uma cor. Pode vir de uma forma qualquer, presente em uma pintura abstrata, ou da pintura figurativa de uma paisagem que nos embebeda da calmaria da natureza. Aquela, por exemplo, que percebemos na vista de uma cidade ao longe entre montanhas, de Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), ou no mar de Giovanni Baptista Castagnedo (1851-1900). Nos campos e florestas de Antônio Parreira (1860-1937), no céu sem nuvens – ou carregado delas – do Projetos para a construção de um céu, obra de Carmela Gross de 1981, ou nos estandartes brancos balançados pelo vento da memória nas telas de Maria Leontina (1917-1984). Os silêncio dos vazios brancos nos desenhos sobre folhas de papel de Leonilson (1957-1993), a leveza do vazio das monotipias de Mira Schendel sobre papel de arroz japonês. É o que nos ensina o zen-budismo: elogiar a leveza e as sombras do silêncio de um jardim japonês.
São gestos solitários de silêncio feitos de momentos criativos os trabalhos da mostra do silêncio: vers Leonilson, que se guarda para si como experiências sensoriais íntimas, como a de quem se propõe a observar os objetos de arte escolhidos para a exposição, por sua natureza silenciosa e contemplativa, como gestos pessoais e solitários de cada artista presente na Galeria Marília Razuk.
A mostra parte de um dos muitos silêncios propostos por Leonilson em sua obra leve, transparente, frágil e muda. Cheia e vazia. De Leonilson passa-se para Maria Leontina, com seus estandartes sobre papel ou tela, longa série de desenhos e pinturas em que retrata formas meios abstratas que remetem a lençóis dependurados em varais, iluminados e esvoaçantes, levados pelo vento. E então caímos nos vazios de Mira Schendel, que nos falam de transcendência, do momento sublime da necessidade de silêncio.
O silêncio na obra de Leonilson se dá nos bordados toscos sobre tecidos frágeis, nas costuras de tecidos leves e transparentes de cores esmaecidas por onde o artista traça suas linhas, letras, palavras em linhas imprecisas. Está no desejo manifestado de ser Penélope, ao tecer silenciosamente, sem fim, enquanto o tempo passa.
O silêncio está nos tecidos “moles” esculpidos em bronze e dependurados na parede, nos papéis amassados arremessados ao chão, nas esculturas que simulam folhas amassadas de papel fixadas na parede na obra de Vanderlei Lopes. Na surpreendente vibração das flores e dos objetos pintados largados sobre as telas de Sergio Romagnolo, olhares melancólicos da banalidade do quotidiano em suas rosas e girassóis. Na repetição insistente da vista das Ilhas Cagarras, de Luiz Solha, em que o gesto – como em Leonilson (e em Penélope) – é tecer a repetição. A seu modo, tece pintando uma mesma paisagem, dias após dia, em um discurso silencioso sobre o tempo que passa cadenciado pelas ondas que quebram nas areias de uma praia, avistada sempre do mesmo lugar.
Há o silêncio de Gustavo Rezende, criado ao redor do cisne meio homem que nada em um lago imaginário. A base branca que acolhe a escultura e a sala expositiva torna-se tal lago de horizonte infinito, quebrado apenas pelo movimento melancólico do desenho animado mudo que mostra um animal caminhando ao longe, uma ave de rapina levantando voo com sua presa... Há o silêncio surdo da natureza, provocado pelos furacões que se multiplicam e deixam como rastro o contínuo zunido forte do vento, nos redemoinhos das esculturas de João Castilho. No furacão aterrador pintado por Leonilson. Wagner Malta Tavares, outro a trabalhar os fenômenos naturais silenciosos, cria ondas de mercúrio dentro de um tubo de vidro, embaladas no silêncio do movimento provocado por dois homens elevados por escadas na sala de exposição. Johanna Calle e Marina Weffort têm em comum o mesmo processo de decupagem nos trabalhos que apresentam na exposição, nada mais do que outra forma de “bordar” no mesmo gesto silencioso de desfazer, criando novas formas geométricas delicadas que aludem a paisagens e textos abstratos. Paulo Whitaker, mais conhecido por suas pinturas meio abstratas meio figurativas de grandes dimensões, trás desenhos que trabalham signos reconhecíveis como torre, pássaro e ponte, comuns ao repertório de Leonilson, Hilal Sami Hilal, outro artista mais conhecido por seus trabalhos de papel e metal rendilhados, vem para a exposição com dois desenhos. Ambos com a predominância do azul profundo, representando o mar. São desenhos meio abstratos que beiram o figuração fantástica. Mares revoltos como os céus turbulentos de Turner.
São muitas as formas do silêncio, portanto.
O silêncio é um diálogo mudo que desperta vozes interiores, pode ser natural ou cultural e abriga a possibilidade de ouvir a nós mesmos. É um chamado ou exercício para pensar um diálogo íntimo e criador por meio dos trabalhos da exposição do silêncio: vers Leonilson. Silêncio.
Ricardo Resende
Curador (Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea)