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julho 28, 2017
La charmeuse des bêtes por José Damasceno
La charmeuse des bêtes
JOSÉ DAMASCENO
Há um encanto. De onde vêm esses animais? Eles costuram a cena. Deslocam-se, migram, percorrem, habitam e saltam entre dimensões inauditas e divertidas. Pelas paisagens subjetivas e fabulosas as cores conversam e se divertem, falam entre si e brilham. Aurora de novidade. Às vezes gritam e pululam, melhor soltar os bichos! Sim, e por que não? Um bestiário gráfico-pictórico selvagem: seres estranhos e ferozes, sim, mas também inadvertidamente doces. Eles têm uma ternura cativante, contudo, de uma ingenuidade um tanto intrigante, pois esta é aliada à poesia da sabedoria precisa, tudo ao mesmo tempo, agora.
Já foi dito que a inocência deliberada pressupõe coragem, e um filósofo nos assinala que a doutrina do espírito – a verdadeira inocência – possui elasticidade absoluta. O viajante, personagem andarilho, nutre-se simultaneamente do olhar arejado e do não pertencimento, que o faz avançar ao sabor de sua busca pelo estupor e pela liberdade que corteja. Lá, por onde se embalam pureza e sinceridade. Com uma sorte de humor sagaz Zoe produz uma torção do espírito na qual se manifesta a pura virtualidade das coisas: elementos heteróclitos se transformam em coerência imprevista. Tristan Tzara nos adverte: dada defendeu a confusão das categorias estéticas como uma das formas mais eficazes para perpetrar o jogo na estrutura rígida da arte. Nem o belo nem o feio, mas a surpresa! Aquela da ordem e desordem momentaneamente aliadas, fora das normas impostas, lá onde a revolta ronrona doces segredos das transformações das ideias e agarra o acaso presente. Este, fala à invenção pujante, à vontade de criar o novo de novo. Espontânea e contínua fronteira nua.
O sacrifício. A ideia central das cosmogonias parte das lendas e relatos heroicos, em que santos e seres extraordinários apontam para a especulação da origem e para a formação do mundo. Encontramos em mitos diversos e avatares religiosos a máxima que nos fala: não há criação sem sacrifício. A energia espiritual que se obtém seria proporcional à importância daquilo que foi perdido? Com um eco da canção popular das ruas, Zoe nos oferece uma pergunta e logo em seguida sublinha – o que realmente está em jogo, além da confusão atual? O que buscam essas bestas? Quais são seus caminhos? Por quais senderos avançam? Posso entrever algo por entre aquelas veredas mirabolantes, por ali em algum lugar onde há uma fonte de águas abstratas, só um pouco mais além, ali mesmo: mais adiante, de onde bebem os lobos.
José Damasceno
14/07/2017