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maio 30, 2017

Primeiro estudo: sobre a terra por Bernardo Mosqueira

primeiro estudo: sobre a terra

(ao meu amor)

[scroll down for English version]

Análises de fósseis e vestígios materiais indicam que a geofagia era praticada entre os Homo habilis há 2 milhões de anos e entre os primeiros Homo sapiens há mais de 150 mil anos. Nos últimos 5 milênios, a ingestão de terra esteve presente na cultura de povos das mais diversas origens e, hoje em dia, é hábito comum no interior do Brasil, no Sul dos Estados Unidos, no Haiti e em diversas regiões em todos os continentes. A geofagia é utilizada como forma de disfarçar a fome, com propósitos medicinais, como parte de preceitos ritualísticos ou simplesmente por gosto ou cultura alimentar. Nesse último caso, a terra é utilizada como ingrediente em receitas, como acompanhamento de outros alimentos, na forma de bolos e biscoitos, in natura ou simplesmente temperada com especiarias. Muitas crianças e principalmente mulheres grávidas são acometidas pela alotriofagia (popularmente conhecido como “pica”) e sentem vontade incontrolável de comer terra, barro, tijolo e outros elementos que não são convencionalmente alimentos.

No Brasil, que tem mais de 50% de sua população afrodescendente, a geofagia era comum entre os negros escravizados entre os séculos XVI e XIX, e sua prática era castigada com violência física e com o uso da Máscara de Flandres, cuja imagem sobre o rosto de Anastácia ainda assombra o imaginário brasileiro. O banzo (espécie de saudade profunda do passado africano, limite do sujeito diante da exploração e da desumanização no novo continente) levava muitos negros à morte por desnutrição ou pelo suicídio. Desterritorializados, à distância irremediável de sua terra natal, muitas vezes os negros escravizados se matavam por meio da geofagia excessiva, ou seja, tiravam a própria vida comendo muita terra.

A partir do entendimento da força simbólica desse gesto íntimo de preencher a própria luz digestiva ou própria sombra existencial com terra é que se iniciou uma pesquisa sobre os procedimentos criados pelos artistas para se relacionarem com esse elemento. Dada a amplitude e potência desse tema, essa exposição é necessariamente incompleta – como um punhado de terra diante de todos os solos do planeta. Movimentando-se entre sobre a terra e o subterrâneo (“underground é difícil demais pro brasileiro”), essa mostra reúne uma primeira e contida experiência curatorial sobre a relação material, conceitual, política e simbólica entre o humano e a terra.

Da terra viemos, da terra vivemos, para a terra voltaremos. Está na terra o curso do destino. Se a epistemologia hegemônica confunde terra com território (e, portanto, ser com ter), devemos recorrer a outras epistemologias para compreender que só é possível algum futuro se entendermos ser terra. Ser da terra. É da terra a grande força ancestral, a alimentação, os ciclos naturais, a abundância e a cura. Somente reconhecendo seu poder e relevância, seremos capazes estar com ela num pacto de saúde e prosperidade. Onilé Mojuba! Salubá! Arroboboi! Atotô! Demarcação já! Demarcação já!

Bernardo Mosqueira, Maio de 2017


first study: from the ground

(to my love)

Trace fossil analysis provide evidence that the Homo habilis practiced geophagy 2 million years ago and Homo sapiens more than 150 thousand years ago. On the past 5 millennia, soil ingestion has been present culturally on peoples from different origins, and still today is common on the countryside of Brazil, in the south of the United States, on Haiti and many regions in all of the continents. Geophagy is used as a way to trick starvation, with medicinal purposes, as part of ritualistic precepts or simply due to personal taste and food culture. In the latter mentioned aspect, soil is used as an ingredient in recipes, as a garnish, in the dishes like cakes and cookies, in natura or just seasoned with spices. Many children and mostly pregnant women are affected with alotriophagy and have a yearning for eating soil, clay, mud, brick and other similar components unusual to menus.

On Brazil, a country in which more than 50% of the population descends from African people, geophagy was common among slaves between the XVI and XIX century, and the practice was punished with physical violence and the usage of “mascara de Flandres”*, whose image over Anastácia’s face still haunts the Brazilian imaginary. The “banzo” (a sort of deep longing for a past life in Africa, limit of the individual in face of the exploitation and dehumanization of the new continent) lead many black people to die of malnutrition or suicide. Deterritorialized, from an irretrievable distance from their land, much often the black slaves killed themselves through excessive geophagy, that is, took their own lives by eating too much soil.

Regarding the symbolic power of this intimate gesture of filling one’s “digestive light” or even an existential shadow with ground, this research started to relate the procedures developed by artists to this element. Given the extent and the strength of the subject, this exhibition is inevitably incomplete – like a handful of soil before all the land in the planet. Shifting between levels above ground and underground (“underground is too hard for Brazil”), this show assembles a first and temperate curatorial experience on the material, conceptual, political and symbolical relations between human and the soil.

For we are ground, of ground we live and unto the ground we’ll return. The future is grounded in this same soil we live in. As the hegemonic epistemology mistakes ground for territory (and therefore being for having), we must turn to other epistemologies in order to comprehend that a future is only possible if we master being ground. Being from the ground. It belongs to the ground the great ancestral strenght, the nourishment, the nature cycles, the abundance and the healing. Only acknowledging its power and relevance we can provide a pact of health and prosperity. Onilé Mojuba! Salubá! Arroboboi! Atotô! Demarcação já! Demarcação já!

Bernardo Mosqueira, May 2017

* iron mask used to stop slaves from practicing geophagy, consuming alcohol and stealing food or diamonds.

Posted by Patricia Canetti at 3:26 PM