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maio 25, 2017
Jaildo Marinho por Fernando Cocchiarale
Jaildo Marinho
FERNANDO COCCHIARALE
Jaildo Marinho - Cristalização, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - 28/05/2017 a 02/07/2017
O trabalho de Jaildo Marinho tem um pano de fundo histórico, formado pelo construtivismo russo da segunda década do século XX, pelo neoplasticismo (Mondrian), pelo concretismo (Theo van Doesburg e Max Bill) e por seus desdobramentos na Argentina e no Brasil, a partir das décadas de 1940 e 1950. Tal panorama resultou da expansão do campo da pintura para além de suas fronteiras figurativas quando, a partir de 1910, Wassily Kandinsky produziu a primeira obra deliberadamente abstrata de que se tem notícia. Em 1915, Kasimir Malevich pintou a primeira versão de Quadrado preto sobre fundo branco, tela emblemática do Suprematismo. Assim, Kandinsky foi o propositor de um abstracionismo mais livre e Malevich, o fundador da vertente geométrica.
Entre estas duas correntes seguidas pelos artistas, podemos encontrar parte das poéticas abstrato-geométricas ainda hoje em processo. As afinidades não-figurativas explícitas que compartilhavam não foram suficientes, porém, para evitar algumas de suas divergências fundamentais que afloraram em campos discursivos, práticos e teóricos, opostos, cuja separação foi muito bem sintetizada em carta (1937) de Kandinsky ao crítico André Dezarrois, diretor da Revue de L’Art ancien et moderne: os construtivistas vêem geralmente sua origem no cubismo que empurraram até a exclusão do sentimento ou da intuição e que tentam chegar à arte exclusivamente pelo caminho da razão, do cálculo (matemático...exemplo do ponto de vista: Malevich tinha como ideal a possibilidade de ditar sua nona pintura por telefone ao pintor de paredes – medidas exatas, cores numeradas.
Concebido durante a Revolução Soviética por artistas como Tatlin, Rodchenko, Gabo e Pevsner, o conceito de construtivismo fundamentava-se na compre¬ensão de que a nova arte tridimensional, em oposição à tradição da es¬cultura (baseada na moldagem ou no desbaste de um bloco único), de¬veria ser substituída por técnicas de montagem e articulação de partes, tal como a então atual engenharia passou a adotar como tecnologia de cons¬trução. A ideia de se compor um todo a partir de módulos tornou-se vital não só para a arquitetura como para as manifestações artísticas agrupa¬das sob o conceito de construtivismo.
Hoje é evidente que as questões que os abstracionismos vieram responder há mais de cem anos não fazem mais sentido: propostas como as de uma arte abstrata, geométrico-construtiva ou de uma abstração sem uma geometria rigorosa, então rejeitadas pela maioria, precisavam ser aceitas como arte e reconhecidas institucionalmente. Esse reconhecimento foi implantado com sucesso, graças, em parte, ao rigor teórico dos construtivistas que abriu caminho para a sua longa e profícua história.
A atualidade e a consolidação de poéticas não-figurativas, evidenciadas, por exemplo, na produção geométrica de Jaildo Marinho (e de muitos outros artistas contemporâneos), prescindem da aplicação rigorosa dos princípios inicialmente indispensáveis para tal consolidação. A pureza postulada por Tatlin, Malevich, Mondrian, Theo van Doesburg, Albers Max Bill e Waldemar Cordeiro, por exemplo, deixou de ser parâmetro para a valoração das vertentes geométricas da arte abstrata. A sobrevivência de tais tendências determinou (contrariamente à “busca da pureza” pregada por Van Doesburg) a hibridização da sintaxe autorreferente do construtivismo histórico, com as expectativas fundamentalmente semânticas da produção contemporânea.
É possível, portanto, pensar nas Cristalizações de Jaildo como uma repactuação pessoal e híbrida entre a sintaxe geométrica (legada pelas vanguardas da primeira metade do século XX) e a tradição pré-construtivista da escultura. O foco aqui dado à escultura supõe o papel essencial deste meio, na hibridização que atualiza (“semantiza”) os repertórios geométricos com os quais Jaildo constrói sua linguagem.
Afora os grandes formatos de suas pinturas (incomuns no construtivismo histórico), o teor geométrico e planar dessas telas referenda o papel fundamental do construtivismo (e também da geometria sensível presente na visualidade popular nordestina de sua infância, vivida em Pernambuco) tanto para a formação do olhar do artista quanto para a fundação de sua poética.
As cinco esculturas de Jaildo agora mostradas – Palette Rio-rouge, Rio-jaune, Rio-bleu, Rio-rose e Brazil rose-zen – sugerem a síntese entre a racionalidade construtiva da forma geométrica e os métodos de produção clássicos da escultura greco-romano-renascentista. Seu título comum, Palette, nos evoca sua inscrição institucional (por meio da palette de Carrara que aqui não opera mais como veículo para o transporte da obra, e sim como parte inseparável das esculturas, fixando-as em seu lugar de exposição). Mas é bom não perdermos de vista que tais obras resultam do desbaste de blocos de mármore de Carrara. Ou seja, resultam de ações escultóricas sobre um material intrinsecamente associado à tradição dessa arte ancestral e não à construção industrial com materiais industriais, como se tornou praxe no modernismo (montagem da obra no próprio espaço).
Finalmente, no contexto poético (histórico e pessoal) que informa a produção do artista, Cristalização pode ser tomada como noção equivalente àquela de síntese. Ao reunir, em uma única escultura, evidências clássicas e elementos formais construtivistas, Jaildo Marinho os ressignifica no universo híbrido da produção contemporânea.