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maio 16, 2017
Sombras imaginárias Elas vêm pelo caminho imaginário por Felipe Mujica
Sombras imaginárias
Elas vêm pelo caminho imaginário
I-
O título da exposição foi inspirado no poema "O Homem Imaginário", de Nicanor Parra (1914), físico e matemático chileno, que se considerava um "antipoeta". A exposição é composta por seis Cortinas, uma instalação de impressões em serigrafia na parede, um livro do artista, um vídeo de um caderno de desenhos e, talvez, algo mais.
II-
Eu chamo minhas peças de tecido de Cortinas porque quero direcionar a conversa para a domesticidade da sua produção. É fácil chamá-las de bandeiras ou banners, mas para mim essas categorizações são muito carregadas de uma mentalidade política específica e de expectativas políticas. Estou interessado em como estas peças são feitas: tecido cortado, dobrado, costurado, alinhavado, e às vezes bordado à mão, usando técnicas mais caseiras. É um nome que as define como humildes atos de resistência.
Seus desenhos estão relacionados ao meu interesse pela abstração geométrica, história e transformação, da Rússia à Europa e Américas, e também pelo desenvolvimento da dicotomia - em toda essa história - entre suas possibilidades formais, sociais e políticas. Gostaria mesmo de ir além e também considerar as artes baseadas em geometria e os desenhos dos povos indígenas das Américas, que adicionam uma outra possível camada à obra. Os materiais escolhidos - tecidos e linhas - e nesta exposição em particular também os bordados feitos à mão pelas Bordadeiras do Jardim Conceição, fazem da obra um painel bidimensional, assim como uma pintura, mas preparado para receber e projetar informações que uma pintura "normal" não consegue. As cortinas ficam suspensas no espaço, flutuam, e se movem às vezes... são "não pinturas" que, por vezes, são quase arquitetura. O tecido tem um peso, uma textura, uma sensação... O desenho bordado contém horas de energia das mãos – e dos corpos – das Bordadeiras, com um ponto em particular, que é um desenho em si, decidido e executado por elas. Estes pequenos detalhes são os elementos pitorescos das Cortinas. Eles são ao mesmo tempo específicos e abertos.
III-
Cortinas como sombras: Elas podem receber sombras e criá-las.
Elas contêm menos informações possíveis, mas estão abertas a receber todas as informações possíveis, das pessoais até as sociopolíticas.
Cortinas como sombras > às vezes o sol as toca, atingindo sua superfície, transformando suas cores em algo vivo, algo que projeta energia.
Cortinas como sombras ||||| Elas podem ser movimentadas pelo visitante da exposição, dinamizando-as em relação a outras cortinas e outros espaços. Elas também podem ser fixadas em apenas um ponto, e neste caso, elas se movimentam sozinhas, ou melhor, com a ajuda da corrente de ar, das pessoas que circulam ou de uma brisa externa.
Cortinas como sombras = da arquitetura temporária, de desenhos, da decoração, da pintura monocromática, da abstração geométrica, da participação.
Cortinas como sombras <<< da produção coletiva e aberta, da máquina que costura e da mão que alinhava.
Cortinas como sombras... colocados dentro ou fora, limitadas pelo espaço e, ao mesmo tempo, criando espaço.
Elas são intrinsecamente flexíveis, ambíguas, mas generosas.
Cortinas como sombras – de ideias utópicas, as suas ou de outras pessoas.
IV-
As impressões em serigrafia são todas de imagens apropriadas. Eu reutilizo, modifico, reorganizo e imprimo novamente desenhos e gravuras anteriores, principalmente das décadas de 1960 e 1970, de fontes como cartazes políticos latino-americanos, imagens psicodélicas, desenhos gráficos japoneses, desenhos sem direitos autorais, além de capas de livros variados, de ficção científica a matemática e literatura. Desafiando as noções de localidade, estas imagens se sobrepõem e, às vezes, emprestam ou simplesmente roubam umas às outras: imagens psicodélicas ou desenhos de arte óptica podem ser vistos em cartazes políticos chilenos, anúncios japoneses e simultaneamente encontrados em bancos de imagens livres de direitos autorais, na capa de um romance ou ensaio sobre teorias econômicas. Há uma mobilidade e transmutação, entre o alto e o baixo, entre diferentes geografias e contextos. As imagens são unidas por uma linguagem visual formal e universal que está ligada aos sistemas de produção dos tempos; daí sua natureza gráfica. Elas também compartilham o contexto histórico das décadas de 1960 e 1970, quando surgiram os movimentos comunais, coletivos, feministas e de luta pelos direitos civis, de liberação sexual, pedagogias experimentais e contracultura. Minhas impressões em serigrafia apresentam novas leituras - e conexões - destas referências historicamente carregadas, mas de certa forma desarmadas e confusas, criando imagens em estado congelado, novo, mas de alguma forma suspensas. Instaladas em grandes grupos não enquadrados diretamente na parede, este sistema de apresentação pretende fazer com que a obra seja lida em relação ao cartaz, como uma ferramenta de comunicação, com todas as suas implicações políticas, sociais, comerciais, decorativas, propagandísticas, etc. De certa forma, esta é uma maneira de manter o trabalho fiel à "origem".
V-
O terceiro componente da exposição é um livro do artista intitulado Linea de hormigas (Linha de Formigas), uma coleção de imagens de uma série de esculturas produzidas entre 2007 e 2015. Algumas destas esculturas foram feitas por mim, mas a maioria foi produzida com a colaboração de outros artistas, ou seguindo as instruções de outros artistas, ou ainda por outros artistas que participaram de uma oficina. Utilizando sempre os mesmos dois materiais (vigas de madeira finas e fita isolante), as peças modernistas frágeis e efêmeras se tornaram uma outra forma de interação, dentro e fora do circuito da arte, onde a obra transita para trás e para frente, para cima e para baixo, desde o trabalho individual até o uso pedagógico da mesma ideia (como um caleidoscópio). Como um complemento e expansão do livro e da exposição, uma peça gráfica contendo um diálogo/conversa/jogo com a curadora e educadora Sofia Olascoaga será incluída nesta publicação. O livro faz parte de um projeto de edição "caseiro" - sem nome ou título - em que tenho trabalhado desde 2009 com a colaboração de Johanna Unzueta, também artista e minha parceira. Seguindo um modelo de economia afetuosa, os livros que editamos, projetados e imprimimos são uma forma de distribuir ideias e histórias, tanto as nossas quanto as de outros artistas e pessoas que respeitamos e admiramos. Com foco principal na arte contemporânea, nossos livros também trataram de temas como música, colaboração, educação, poesia e arquitetura experimental.
Linea de hormigas (Linha de Formigas), 2017
Edição de 50, 28 x 20 cm, vertical
Interior, 92 páginas, 84 páginas de impressão em risografia / 8 páginas de impressão digital colorida
Capa, capa impressa em serigrafia, encadernação perfeita com orelhas
Impresso por Keegan Cooke / Circadian Press, Brooklyn, NY
VI-
O vídeo projetado é intitulado Notebook #3 (Huecos) (Caderno nº 3 (Ecos)) e foi produzido em 2015. O vídeo mostra página por página de um caderno, com as imagens de uma série de cortinas menores feitas com desenhos e recortes. Mais tarde, elas se tornaram "janelas", que colocam os desenhos em sobreposição, parecendo mais do que realmente são. Vários destes desenhos foram usados como base para as cortinas menores - não pensando nesta exposição - que ficam pendurados na parede em uma exibição que está entre um banner e uma pintura móvel. O vídeo é tanto um documentário quanto uma obra por si só.
Felipe Mujica