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maio 7, 2017
Letícia Lampert - Exercícios para perder de vista por Luísa Kiefer
Letícia Lampert - Exercícios para perder de vista
LUÍSA KIEFER
Galeria de Arte Mamute, Porto Alegre, RS - 11/05/2017 a 18/08/2017
A ideia de que ver é sempre algo à distância, é sempre uma experiência que não alcançamos plenamente, no sentido de não ser algo palpável, mas apenas sensível, é uma das coisas que move a poética de Letícia Lampert. Sua busca, enquanto artista centra-se, sobretudo, na relação do ver com a paisagem e com o outro. Como é possível estabelecer uma relação com as coisas que nos rodeiam? Com tudo aquilo que olhamos e guardamos em imagens?
Para o fotógrafo e crítico americano Robert Adams, uma das funções das imagens de paisagem seria permitir a redescoberta e a reavaliação de onde nós nos encontramos. “Acho que confiamos na fotografia de paisagem para tornar inteligível para nós aquilo que já sabemos” 1, escreve. No exercício constante de olhar e re-olhar, de procurar tons e nuances, de tornar visível e, talvez um pouco mais próximo, aquilo que está apenas ao alcance do olhar, Letícia coleciona cores e paisagens. Com sua câmera fotográfica, congela e retém tudo aquilo que lhe interessa, numa ânsia de compreender, através da imagem, o cenário complexo em que vivemos.
Em Exercícios para perder de vista, Letícia apresenta trabalhos produzidos entre 2015 e 2017, na China e no litoral do Rio Grande do Sul, que colocam em questão justamente a distância entre o ver e o sentir, entre o ver físico e o ver na imagem. Nas obras aqui apresentadas, a paleta de cores da artista se reduz, concentrando-se sobretudo nos tons de cinza, bege e branco de fotografias capturadas em paisagens urbanas e naturais recobertas ora por névoa, ora por poluição. Ao voltar-se para tons mínimos e ressaltar as diferenças sutis na passagem de um para o outro, procura as variações mais finas, sensíveis ao olho, revelando uma paisagem ao mesmo tempo complexa e sutil.
Intercalando blocos de cor e blocos de imagem, a artista brinca com a veracidade e a verossimilhança dos tons, daquilo que é possível ver em meio a quase nada, jogando com a percepção do público. Convidando o espectador à contemplação e à reflexão sobre o mundo que nos rodeia, Letícia aproxima-o da distância que está sempre envolvida no olhar, tornando-a sutilmente palpável por meio da sua gradação de cores mínimas e delicadas. Quase como se nos indicasse um caminho pelo qual poderíamos alcançar a paisagem. Os trabalhos que integram Exercícios para perder de vista criam, assim, um catálogo de matizes que compõem o mundo ao nosso redor e estruturam o nosso olhar. Nestas obras, pela composição e pelo silêncio das imagens, o matiz mais mínimo adquire o seu máximo. Em 1985, o fotógrafo Luigi Ghirri escreve que “é necessário encontrar um método para organizar o olhar nesse mundo sem fronteiras, fragmentado e veloz”, é preciso encontrar uma forma de reativar o olhar para que ele possa “não ser mais inerte diante de um mundo cada vez mais incompreensível e complexo” 2. Com sua tênue escala de cores, penso ser precisamente este exercício que Letícia nos propõe.
Se Ghirri, naquele momento, se referia às novas demandas do olhar trazidas pelo filme, pela televisão e pelo aumento do consumo de imagens eletrônicas, é preciso situar que de lá para cá, a quantidade de imagens que nos rodeiam multiplicou-se e segue crescendo em progressão geométrica. Nos acostumamos a produzir e consumir imagens em tempo quase integral. Vivemos imersos em uma sociedade baseada na imagem. Nesse contexto, pensar sobre a importância do olhar é uma tarefa necessária. As imagens construídas por Letícia são, assim, um convite sensível para passearmos sobre os tons que velam e desvelam as paisagens urbanas e naturais que nos rodeiam, se tornando, também, uma prazerosa brincadeira de medirmos a cor da paisagem.
Exercícios para perder de vista propõe ao espectador que ele tente afinar o seu olhar, resgatando a calma e a capacidade de encontrar no silêncio e no estático uma gama infinita de cores e movimentos. Ao se entregar a contemplação talvez seja possível diminuir a distância entre o olhar e o sentir, e a visão, assim, deixe de ser um exercício sempre à distância.
Luísa Kiefer
Curadora da Mostra
Notas
1 ADAMS, Robert. Beauty in Photography. New York: Aperture, 1981. p.16-20.
2 GHIRRI, Luigi. Complete Essays. London: Mack Books, 2016. p.91-92.