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fevereiro 20, 2017
Espaços transitivos por Luana Hauptman
Espaços transitivos
LUANA HAUPTMAN
Marcadas pela sensação de descentramento que contamina a vida contemporânea, as obras presentes nessa exposição investem na relação com o cotidiano e privilegiam proposições que remetem tanto ao espaço concreto da cidade, quanto a um espaço alusivo. O habitual e o corriqueiro figuram como elementos essenciais na fruição artística e transitam entre as questões formais da arte e as especificidades da urbe. Essas associações evidenciam analogias que se constroem como novas configurações, tendo como ponto de partida relações fronteiriças que lidam com deslocamentos e permutas de um sistema artístico cada vez mais fundado em perspectivas móveis. Talvez ainda exista um lugar da arte, mas que lugar é esse?
A partir desse questionamento, propõe-se uma reflexão sobre os limites físicos e conceituais dos lugares da arte, não só através da simples incorporação de elementos usuais ao espaço expositivo, mas do urbano deslocado de seu lugar primário e ressignificado esteticamente. Um exercício que lança luz sobre o vigente e confere um repensar sobre relações triviais, sugerindo novas interações e apropriações. Deste modo, mesmo desvinculado de uma conceituação artística a priori, o espaço urbano, ao ser tomado como parte, intensifica esse debate. Entretanto, além de pensá-lo apenas como um recurso, é necessário uma reflexão sobre como este meio estimula ações de construção e desconstrução, e expõe os conflitos ou as aproximações entre urbe e arte.
É no embate entre naturezas tão distintas que se cria um sistema de retroalimentação, repleto de intervalos, um todo não unitário que se contamina e se revela mutuamente, seja na cidade, que “impõe ganhar tempo (...) reter apenas a informação útil no momento”, ou na arte, que propõe “retardar o fluxo, criando um espaço vazio no qual outra coisa pode se instalar” [1]. Entre-lugares que inauguram valores e práticas, oferecendo ao sujeito uma fruição desvinculada de correspondências tradicionais. Nesse processo não há mais o limite da referência, mas o urbano transformado em arte.
Destes espaços diluídos surgem infinitas possibilidades, onde fluxos ininterruptos perpassam as estruturas rígidas urbanas e artísticas tornando-se agenciadores de processos. O provisório, a impermanência e o vazio são assimilados e dão origem a formas cada vez mais densas e complexas, o que pode ser observado em cada obra desta exposição. Estes trabalhos propõem indagações que transitam entre o lugar da arte e da urbe, seja enquanto ambiente de partilha e convívio ou como questão estética; uma reflexão que busca perguntas sem uma solução objetiva, colocando-se como um problema em aberto.
Luana Hauptman
Técnica de atividades Sesc Paço da Liberdade
1 Peixoto, Nelson Brisac. Paisagens urbanas, 2004, p.213.