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fevereiro 9, 2017
O olhar do poder e o poder do olhar por Frederico Dalton
O olhar do poder e o poder do olhar
FREDERICO DALTON
O secreto está aqui. Supostamente revelado. Por que não admitir que a arquitetura mencionada no título desta exposição pode ser também a arquitetura desta galeria? Desta forma, igualam-se o espaço retratado nas obras da artista e o ambiente onde estas fotos estão sendo compartilhadas. Motel e galeria de arte como momentos de contato como uma mesma energia que dá visibilidade a instintos e que alimenta o visual como revelação. O secreto desvendado nas fotos e o secreto guardado na cabeça do espectador colaboram na construção de uma arquitetura do olhar.
Da mesma forma que um quarto de motel é campo de reverberação de imagens, reflexos de desnudamentos e consagração do visual, uma galeria de arte celebra o que o olhar tem de cultural, predatório e instável. O quarto de motel parece nos dizer que o sexo não existirá se ele não for visto e multiplicado como informação visual o maior número de vezes no período em que se estiver ali. Afinal, o motel é um palco onde o visual é cobrado por horas. Os espelhos multiplicam os amantes, criam uma plateia de voyeurs feita deles mesmos: um público virtual dentro do privado.
Também o olhar dos espectadores na exposição resulta de rebatimentos entre as obras, entre os corpos e o lugar. É um olhar que, assim como no motel, já nasce com os momentos contados. Comparada com a experiência de quem ouve um concerto, numa fruição estendida no tempo e muito mais mental que física, numa exposição o espectador salta de trabalho em trabalho como se experimentasse pequenos orgasmos. Há uma ânsia na natureza do ver. Onde focar? Por quanto tempo?O todo ou a parte, o que priorizar? Há uma instabilidade. Ânsia e instabilidade caracterizam tanto o amor praticado nos quartos de motéis quanto o percurso de um espectador numa exposição de arte.
O mundo é feito de relações. E aquilo que a artista torna visível (objetos cortantes, situações eróticas, sadomasoquismo) é tão intenso e forte quanto o que os espectadores escondem. No fundo (e nas aparências), tudo é um jogo de poder. O visual exerce seu poder sobre o sexo, a artista exerce seu poder sobre a arquitetura e o público exerce seu poder sobre a artista, que dele é escrava, que para ele faz arte, se fragmenta, se expõe, trabalha. Vencedora nas artes marciais e nos jogos que se desenrolam nas imagens, a artista curva-se ao olhar do espectador: impassível, soberano. Parado por míseros segundos apenas diante de cada uma das fotos da exposição, o espectador se detém com compostura, como se tudo entendesse. Porém,sua ignorância e incompletude estão muito bem disfarçadas.
“Arquitetura do Secreto” de Monica Barki é uma exposição sobre relações, sobre o olhar do poder e opoder do olhar. São muitos os atores aqui. E no drama destas relações se destacam o dizível e o indizível, o que pensamos saber sobre nós mesmos e os enormes esforços que empreendemos para de alguma forma existir.É um evento sobre o olhar do poder, sobre como o poder se veste, se configura e se organiza para melhor nos enquadrar; e sobre o poder do olhar, sobre como o poderoso olhar do espectador é capaz de nos desnudar.
Frederico Dalton, janeiro de 2017