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fevereiro 5, 2017
Lugares do Delírio por Tania Rivera
Lugares do Delírio
TANIA RIVERA
Lugares do Delírio, Museu de Arte do Rio - MAR, Rio de Janeiro, RJ - 08/02/2017 a 16/07/2017
“A única arte que presta é a arte anormal”, dizia Flávio de Carvalho ao expor obras de pacientes do Hospital Psiquiátrico do Juqueri em 1933. Mas existiria arte “normal”? A arte parece querer sempre fugir da “norma”, ou seja, do hábito e das regras que delimitam nossa realidade compartilhada. Ela abre janelas na vida cotidiana e nos convida a construir novos mundos.
O sofrimento psíquico intenso nos leva também, às vezes, a abrir janelas na realidade e delirar, ou seja, sair dos trilhos, dos sulcos do pensamento compartilhado e tomado como “correto”. Isso mostra que a realidade não é única e evidente, ela é construída por nós e pode ser alterada de diversos modos. Sua transformação no delírio, para o psicanalista Freud, é uma tentativa de “cura”, ou seja, tenta abrigar e conter nossa dor, reinventando o mundo para que nele possamos encontrar um lugar.
Mas essa atividade – humana, demasiado humana – não está restrita a situações de sofrimento extremo. Podemos dizer “que delírio!” ao falar de momentos intensos e que podem envolver prazer, alegria, invenção. O delírio pode aparecer na festa, na brincadeira, mas também na rebelião, na revolta contra uma sociedade injusta e violenta. Ele surge no Carnaval, por exemplo, suspendendo o lugar social e o gênero de cada um. Ou na gíria, que retorce a língua e a faz dizer outra coisa. Talvez a poesia seja sempre delirante, e a arte seja o campo no qual o delírio mais se põe em jogo – e nunca se esgota.
Tomando seu impulso no projeto original de Paulo Herkenhoff, esta exposição afirma que os lugares do delírio são muitos e variados, e tenta assim explorar e questionar as fronteiras entre normal e patológico, entre arte e vida, entre o museu e o mundo. As obras apresentadas vêm de lugares diversos – do circuito artístico tradicional ou de instituições psiquiátricas, do campo de interseção entre terapia e arte ou de propostas diversas de interação e construção poética entre sujeitos “fora dos trilhos”. Elas formam aqui um campo de suspensão no qual cada um de nós é convidado a se deslocar de seu lugar habitual para inventar novos modos de viver com os outros.
Lugares do delírio convida a um passeio pela louca poesia da arte – aquela que já está, de alguma maneira, na vida, entre nós. Seu desejo secreto é de fazer com que ela escorra pelas frestas, pelas janelas, que ela fure essas paredes e ganhe o mundo.
Tania Rivera
Curadora