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outubro 26, 2016

Tiago Mestre por Bruno Mendonça

No projeto La Californie o artista Tiago Mestre se apropria do nome da famosa vila construída em 1920, em Cannes, no Sul da França, onde Pablo Picasso habitou e que transformou em ateliê a partir de 1955. Neste projeto o artista toma o espaço do ateliê de artista como mote para discutir de maneira poética uma série de camadas associadas a este espaço, mas também de forma mais abrangente questões relacionadas ao sistema da arte contemporânea como um todo.

O espaço do ateliê de artista e seu viés romântico, enigmático/mágico e projetivo já foram analisados de diferentes maneiras por teóricos de diversas áreas, a fim de compreender como se deu essa construção aurática deste espaço ao longo da história, tornado o artista uma espécie de artífice e o inserindo em uma das tipologias mais complexas de trabalhador dentro da lógica de produção moderna, assim como para desconstruir e desmistificar este mesmo espaço a partir de uma visão pós-moderna ou contemporânea. Neste projeto Tiago Mestre obviamente está interessado nessas questões ao deslocar este espaço para dentro da instituição, como já foi feito por outros artistas no campo da arte contemporânea – sendo assim uma operação recorrente e que o artista tem consciência disso –, mas que, para o artista, este não é o eixo central de La Californie.

Neste projeto Tiago Mestre está mais interessado em desdobrar e tornar público um dos principais procedimentos de sua prática artística que é uma noção conceitual e expandida de edição e montagem, assim como seu interesse pelo espaço arquitetônico e suas possíveis configurações como ambiência. Apesar de uma materialização plástica de pesquisas temáticas, que poderíamos colocar como um primeiro momento no trabalho do artista, existe também um segundo e importante momento que é o desenvolvimento da exposição e sua construção espacial. É aqui que Tiago Mestre começa a operar procedimentos de edição e montagem e inicia uma reflexão do espaço para transformá-lo em um ambiente – isso se dá tanto na expografia projetada pelo artista, assim como pelos mobiliários e disposição das obras. Em La Californie, Tiago Mestre revela ao público este programa.

Para o artista, outro ponto fundamental em La Californie, e que é articulado conceitualmente a partir do deslocamento do ateliê para o espaço público da instituição, é discussão acerca do artista como trabalhador a partir de uma noção de labor, e isto dentro de um contexto neoliberal e de um atual sistema capitalista que tem, por consequência, modulado um mercado de arte cada vez mais complexo, que tem a capacidade de transformar quase todos os tipos de práticas e processos artísticos em “produto”. Essas ressonâncias sociopolíticas e econômicas que giram em torno do artista como talvez umas das figuras mais desafiadoras de análise neste sentido são investigadas pelo ensaísta argentino Reinaldo Laddaga em seu livro Estética de Laboratório, a partir de alguns objetos de estudo, como o artista Thomas Hirschhorn e seu projeto Museu Precário, por exemplo.

Assim como Thomas Hirschhorn, Laddaga analisa também a produção do artista Pierre Huyghe, que, em um de seus textos analisando seu próprio processo de criação, levanta questões interessantes que se conectam de forma bastante poética com o projeto La Californie de Tiago Mestre. Huyghe escreve: “A construção torna imediatamente visível suas opções e os processos que a constituem. Os erros, as redundâncias, os esquecimentos, as bifurcações [...] não se trata de uma construção linear, mas de uma que tem múltiplas direções, aberta às possibilidades, às variações, cujos recursos de mudança e cuja acessibilidade são permanentes. É uma construção do potencial. Cada etapa revela índices de uma virtualidade. O visível está mais próximo do que é observado, não é uma finalidade, mas um esboço, um ponto de partida. É o necessário de hoje, completar e habitar. Aqui, o processo se inverteu, se inicia, se habita, e completar é um termo que fica por definir. Pôr fim ao acabamento, indeterminar. Viver com o transitório, no estado de edifício em permanente construção, interrompido, ou melhor, na espera. Como um estado de inacabamento pode se tornar uma maneira de fazer.”

Bruno Mendonça

Posted by Patricia Canetti at 7:31 PM