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setembro 15, 2016
Delicada equação por Marcus de Lontra Costa
Delicada equação
MARCUS DE LONTRA COSTA
A obra de arte é a interpretação do mundo através da sensibilidade e da inteligência do artista. Ela revela verdades escondidas, cria paradoxos e faz do olhar um jogo instigante de encontros, descobertas e revelações. Ao mesmo tempo, a obra de arte é também reflexo de seu tempo, de suas realidades conjunturais e de seu diálogo com a história que a precede e justifica. Por isso tanto mais relações e conversas uma ação artística provoca no seu espectador, maior será o seu valor e a sua potência. Essa é a estratégia do jogo da arte, esse é o seu desafio e o seu encantamento.
Gaia é um artista para o qual o passado recente é uma fonte de pesquisa e descoberta. Os seus trabalhos dialogam com a tradição modernista em especial com o suprematismo e as vanguardas russas e, neles, persiste esse embate entre contrários: o peso e a leveza, a opacidade e a transparência, a certeza e a tensão da composição artística, a forma e a matéria, a precariedade artesanal e a sofisticação do design e do objeto industrial. Toda essa sinfonia rege-se pela linha, pela idéia do desenho que conduz e determina o gesto e a ação da arte.
O mundo contemporâneo despreza as verdades absolutas, o corpo intocado e indivisível; ele prefere a velocidade e a dispersão, a capilaridade do rizoma e a multiplicidade das origens, das fontes e, mesmo, das verdades. Gaia insere-se na linguagem internacional pós-construtiva ao mesmo tempo em que cria delicados objetos, arapucas curiosas, talvez a mais adequada metáfora para a ação artística nos dias de hoje. “O Rio Tejo não é maior do que o rio da minha aldeia” nos ensinou Pessoa. Gaia carrega e revela a sofisticada beleza de nossa herança indígena, o cheiro, o sabor e o encanto da magia inigualável do estado do Pará e é a partir dessa bem sucedida relação entre o universal e o local que a obra do artista se insere com precisão no cenário da arte brasileira contemporânea, criando pontes e surpreendendo pela originalidade e valor.
Marcus de Lontra Costa
Rio, setembro 2016