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setembro 13, 2016
Monumento por Douglas de Freitas
Monumento
DOUGLAS DE FREITAS
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A ideia da perda de sentido na presença de monumentos no mundo contemporâneo, da falência dessa construção escultórica de representação histórica e cultural na paisagem da cidade, parece guiar a produção de Vanderlei Lopes em busca de um novo modelo possível. Deste modo, o artista opera na construção de monumentos às avessas, ou monumentos mínimos, onde transitoriedade e fixação – coincidência ou não, embate vivido também nas cidades contemporâneas – entram em choque. Os grandes heróis estão em queda, e dão lugar a fugacidade dos novos tempos.
O monumental no trabalho de Vanderlei extrapola o significado restrito à tradição escultórica e arquitetônica, engloba também os símbolos por nós eleitos como grandiosos na cultura, por valor cultural, religioso, monetário, e é claro, por valor especulativo. Seus monumentos elevam o banal, o acidente, a perda. Trazem à luz o que passa desapercebido, constroem buracos e tropeços, fazem desconfiar das certezas. É o milagre da conversão das pequenas coisas mundanas em grandiosas, onde não é mais a escala desses elementos que conferem à eles significância e sim as ações que eles contém, neles perpetuadas. Vincar, dobrar, queimar, derramar, marcar, cavar e tantos outros atos de caráter efêmeros são eternizados pelo artista, através da conversão da matéria e da sobreposição de espaços e tempos distintos. Um cavalo em tamanho real congelado no instante fotográfico entre tombar e reerguer, e a marca de suor de um copo transmutado em metal sólido sobre a mesa, carregam em si o mesmo milagre presentificado, pouco importa a escala.
O monumento apresentado é incerteza certeira, é a constante sensação de que algo está oculto, que tudo está velado, mesmo que ainda se faça presente. Os trabalhos são fantasmas carregados de matéria, são imagens efêmeras elevadas à objetos repletos de corpo. Prestes a inaugurar ou exibir, em Monumento nada é exibido a não ser seu próprio tecido sudário. O que deveria proteger esse objeto de grande importância de olhares prévios à sua inauguração, ou de algum possível dano causado por um espaço ainda em obras, agora está ali, ele próprio convertido em monumento, ocultando permanentemente o objeto que deveria proteger, se tornando ele mesmo o objeto. A preciosidade do que deveria estar por baixo, se deixa ver apenas por frestas laterais, por onde a luz dourada do avesso escapa, vestígio da importância do que está ali oculto. Resta apenas olhar a trivialidade com que o caimento e os vincos destes tecidos desenham, e que agora são perenes. Eles sim são a grandiosidade que se projeta delicadamente diante de nós.
Em Projeto a tentativa construtiva está falha, amassada, e é ela mesma a construção final. Está consolidada em milagre oculto, onde, diante dos olhos, papel marcado se torna marca dele mesmo, parece ter sido engolido por sua própria imagem e solidificado. E no impasse de estar certo ou errado, se eterniza em trânsito, entre geometria compulsiva de dobras, e ação destrutiva hesitante, paralisada antes do fim previsto.
A desconstrução total se torna o próprio projeto, e o desenho que deveria sustenta-lo, ou um dia já sustentou. Eles sim se consolidam como monumentais. Ode à falha como processo e objetivo final da construção, são refugos eternizados, são eles mesmos os monumentos erigidos por Vanderlei Lopes. Nenhuma certeza está revelada. Errância e engano importam mais que qualquer verdade absoluta.
Douglas de Freitas, setembro de 2016
Monument
DOUGLAS DE FREITAS
The idea of loss of meaning in the presence of monuments in the contemporary world, of the failure of this sculptural construction of historical and cultural representation in the city landscape, seems to guide Vanderlei Lopes’ production in search of a possible new model. And so the artist works at constructing monuments backwards, or minimal monuments, where transience and permanence—coincidence or not, a shock also experienced in contemporary cities—clash. The great heroes are falling, and give rise to the fugacity of modern times.
The monumental in Vanderlei’s work extrapolates the meaning restricted to sculptural and architectural tradition, and also embraces the symbols we have deemed great in culture, for their cultural, religious, monetary value, and of course, their speculative value. His monuments elevate the banal, accidents, loss. They bring to light what goes unnoticed, construct holes and stumbling, and make us suspicious of certainties. It’s the miracle of the transformation of small mundane things into grand ones, where it is no longer the size of these elements that give them significance, but the actions they contain that are perpetuated in them. Creasing, folding, burning, spilling, marking, digging and many other ephemeral acts are immortalized by the artist by transforming matter and the overlapping of spaces and separate times. A life-size horse frozen in a photographic moment between falling and getting up again, and the mark of perspiration on a glass transmuted into solid metal on a table, carry within them the same miracle in the present, no matter what the size.
The monument presented is certain uncertainty, the constant feeling that something is hidden, that everything is veiled, although still present. The works are ghosts laden with matter, ephemeral images elevated to objects full of body. Ready for inauguration or exhibition, in Monument nothing is exhibited but the fabric of its own shroud. What should protect this highly important object from viewing prior to its inauguration, or from any possible damage caused by a space still under construction, is now there, itself transformed into a monument, permanently hiding the object it should protect, itself becoming the object. The preciousness of what should be underneath, can be seen only through the side openings, through which the golden light from the reverse side escapes, a vestige of the importance of what is hidden there. All that remains is simply to view the triviality that the draping and folds of these fabrics delineate, which are now perennial. Indeed they are the grandeur that projects itself gently before us.
In Project, the constructive attempt is a failure, crumpled, and is itself the final construction. It is consolidated in a hidden miracle, in which, before our eyes, marred paper becomes its own brand, seeming to have been swallowed by its own image and solidified. And in the impasse of being right or wrong, it is eternalized in transit between the compulsive geometry of folds and hesitant destructive action, paralyzed before its expected end.
Total deconstruction becomes the project itself, and the design that should sustain it, or already sustained it at one time. Indeed they are consolidated as monuments. An ode to failure as a process and the ultimate goal of construction, they are eternalized refuse, and are themselves the monuments erected by Vanderlei Lopes. No certainty is revealed. Aimlessness and deception are more important than any absolute truth.
Douglas de Freitas, September 2016