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julho 17, 2016
Histórias Curtas por Laura Belém
Histórias Curtas
LAURA BELÉM
Se eu pudesse resumir em uma frase o assunto da exposição Histórias curtas, diria que se trata da vida, da morte, e novamente da vida. A mostra traz uma série de esculturas e uma série de colagens, ambas inéditas. A inspiração para os trabalhos surgiu, num primeiro momento, através do meu contato com o centro comercial Cassino Atlântico, que comercializa antiguidades e também abriga a Galeria Athena Contemporânea. A intenção era criar um diálogo entre o ambiente do centro comercial e da galeria de arte. As esculturas da série “Histórias curtas (Natureza morta)” surgiram tanto da observação do Cassino Atlântico, quanto do meu contato com o ofício de peças utilitárias de pedra sabão no interior de Minas Gerais.
Ao visitar uma das tradicionais oficinas de pedra sabão nas proximidades de Ouro Preto (MG), encontrei várias peças utilitárias que haviam sido descartadas pelos artesãos, por estarem inacabadas, quebradas ou por apresentarem algum defeito de fabricação. O local era uma oficina de torno de pedra sabão. As peças inutilizadas estavam depositadas num canto da oficina e, por estarem ali há muito tempo, estavam totalmente cobertas com o pó da própria pedra sabão, o que lhes agregava uma camada temporal. Algumas permaneciam maciças – uma tigela sem a cavidade escavada; outras sem a base que lhes permite ser um recipiente– como no caso de uma garrafa sem o fundo. Interessou-me o potencial escultórico dessas peças que ‘deram errado’, que não serviram ao seu propósito funcional. E isso deu início a um processo de resgate desses utilitários descartados, tanto nessa oficina como em outras da região.
O que restava dos utilitários desprovidos de função era uma nova forma e um traço do processo de transformação da pedra bruta, da criação e do fazer do artesão. Antes da minha visita, algumas dessas peças estavam sendo separadas para serem destruídas e transformadas em talco, dando seqüência ao ciclo da vida. Outras já haviam sido descartadas nos terrenos ao redor das oficinas, misturando-se à terra. Meu interesse nessas peças como esculturas iam, portanto, além do seu potencial formal para incorporar o acaso, a falha, e a atuação do tempo – elas se tornavam relíquias do processo. Ao resgate e à escolha das peças, seguiu-se um procedimento de cobertura e fixação do pó de pedra sabão nas ‘recém-encontradas esculturas’, como que para eternizar o acaso e a ação do tempo, e também para revelar a matéria-prima crua na qual as peças se transformariam, se fossem destruídas. A última etapa foi a formação dos conjuntos das peças, agregadas pela função, semelhança, ou potencial significativo. Assim nasceu “Histórias curtas (Natureza morta)”.
A outra série de trabalhos da exposição, “Tapeçaria (Big Bang)”, resulta mais diretamente do meu contato com o Cassino Atlântico e em particular com a feira que ocorre ali aos sábados, quando são dispostos longos tapetes pelos corredores e andares do centro comercial, transformando toda a sua percepção. Tais tapetes ficam ali para serem comercializados e muitos deles são persas, apresentando motivos florais ou da fauna. “Tapeçaria (Big Bang)” resulta de uma série de fotografias de detalhes desses tapetes, que foram impressas em papel de arroz e em seguida rasgadas à mão, para se transformarem em novas composições de colagens sobre papel. Movimento, contração e expansão, estão ali presentes, e isso é enfatizado pelo título, assim como a ideia da criação. Na cosmologia, Big Bang se refere à rápida expansão da matéria que deu origem ao universo. O fim e o começo conectados, o fragmento e o todo, o ciclo do tempo, a transformação, o dia-a-dia alterado – essas são algumas das ideias por trás da exposição.
Laura Belém, 4 de julho de 2016.