Página inicial

Arte em Circulação

 


julho 2021
Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sab
        1 2 3
4 5 6 7 8 9 10
11 12 13 14 15 16 17
18 19 20 21 22 23 24
25 26 27 28 29 30 31
Pesquise em
arte em circulação:

Arquivos:
julho 2021
junho 2021
maio 2021
abril 2021
fevereiro 2021
dezembro 2020
novembro 2020
outubro 2020
setembro 2020
julho 2020
junho 2020
abril 2020
março 2020
fevereiro 2020
dezembro 2019
novembro 2019
outubro 2019
setembro 2019
agosto 2019
julho 2019
junho 2019
maio 2019
abril 2019
março 2019
fevereiro 2019
janeiro 2019
dezembro 2018
novembro 2018
outubro 2018
setembro 2018
agosto 2018
julho 2018
junho 2018
maio 2018
abril 2018
março 2018
fevereiro 2018
janeiro 2018
dezembro 2017
novembro 2017
outubro 2017
setembro 2017
agosto 2017
julho 2017
junho 2017
maio 2017
abril 2017
março 2017
fevereiro 2017
janeiro 2017
dezembro 2016
novembro 2016
outubro 2016
setembro 2016
agosto 2016
julho 2016
junho 2016
maio 2016
abril 2016
março 2016
fevereiro 2016
janeiro 2016
novembro 2015
outubro 2015
setembro 2015
agosto 2015
julho 2015
junho 2015
maio 2015
abril 2015
março 2015
fevereiro 2015
janeiro 2015
novembro 2014
outubro 2014
setembro 2014
agosto 2014
julho 2014
junho 2014
maio 2014
abril 2014
março 2014
fevereiro 2014
janeiro 2014
novembro 2013
outubro 2013
setembro 2013
agosto 2013
julho 2013
junho 2013
maio 2013
abril 2013
março 2013
fevereiro 2013
janeiro 2013
dezembro 2012
novembro 2012
outubro 2012
setembro 2012
agosto 2012
julho 2012
junho 2012
maio 2012
março 2012
fevereiro 2012
dezembro 2011
outubro 2011
setembro 2011
agosto 2011
julho 2011
junho 2011
maio 2011
abril 2011
janeiro 2011
dezembro 2010
novembro 2010
outubro 2010
setembro 2010
julho 2010
maio 2010
abril 2010
março 2010
dezembro 2009
novembro 2009
outubro 2009
setembro 2009
agosto 2009
julho 2009
junho 2009
maio 2009
abril 2009
março 2009
janeiro 2009
dezembro 2008
novembro 2008
setembro 2008
maio 2008
abril 2008
dezembro 2007
novembro 2007
outubro 2007
setembro 2007
agosto 2007
julho 2007
junho 2007
maio 2007
abril 2007
março 2007
fevereiro 2007
janeiro 2007
dezembro 2006
novembro 2006
setembro 2006
agosto 2006
julho 2006
maio 2006
abril 2006
março 2006
fevereiro 2006
janeiro 2006
dezembro 2005
novembro 2005
outubro 2005
setembro 2005
agosto 2005
julho 2005
junho 2005
maio 2005
abril 2005
março 2005
fevereiro 2005
novembro 2004
junho 2004
abril 2004
março 2004
fevereiro 2004
janeiro 2004
dezembro 2003
novembro 2003
outubro 2003
setembro 2003
agosto 2003
As últimas:
 

junho 29, 2016

Elogio à opacidade por Daniela Name

Elogio à opacidade

DANIELA NAME

Fernando Gonçalves - Ruídos para ver, CCJF, Rio de Janeiro, RJ - 29/06/2016 a 14/08/2016

Chegara mesmo ao ponto de pensar que a escuridão em que os cegos viviam não era, afinal, senão a simples ausência da luz, que o que chamamos cegueira era algo que se limitava a cobrir a aparência dos seres e das coisas, deixando-os intactos por trás do véu negro. Agora, pelo contrário, ei-lo que se encontrava mergulhado numa brancura tão luminosa, tão total, que devorava, mais do que absorvia, não só as cores, mas as próprias coisas e seres, tomando-os, por essa maneira, duplamente invisíveis.
José Saramago, Ensaio sobre a cegueira.

A epidemia de “treva branca” imaginada por Saramago em Ensaio sobre a cegueira pode ser um bom ponto de partida para percorrer a exposição de Fernando Gonçalves. Vitrines, espelhos d´água, janelas e outras situações geralmente encaradas como superfícies reflexivas, são recorrentes nesse conjunto de trabalhos. No entanto, mais do que se apresentarem como elementos de duplicação e transparência, elas são capturadas pelo olhar do artista como uma espécie de neblina que envolve a imagem, mergulhando-a na opacidade e na indeterminação.

O véu opaco com que Gonçalves cobre todas as coisas traz à tona uma discussão sobre a fotografia. Nascida do escuro, como de resto quase tudo o que existe, a escrita da luz ultrapassou seus dispositivos como experiências científicas e se inventou como linguagem a partir de seu poder de coagulação dos mortos. Houve tempos em que os espelhos eram cobertos em períodos de luto, porque se acreditava em sua capacidade de trazer de volta aqueles que haviam partido; houve e há culturas que acreditam que a fotografia é uma forma de roubar a alma dos viventes. Ambas as crenças abrigam a impressão de que a imagem é, a um só tempo, morto e mortalha. Uma múmia, vestígio semicorpóreo daquilo que foi visto por quem criou a imagem.

É curioso que muitas vezes o artista opte ou sugira a água nas imagens que escolha criar. Ela pode ter existido de fato, no momento em que a foto foi feita, ou apenas conferir uma atmosfera submarina – fluida, indeterminada – àquilo que ficcionamos ver. Sim, dos despojos dessa múmia-mortalha podemos fazer a gênese de quantos universos forem sugeridos pela memória e pela imaginação,reconheçamos ou não alguns dos elementos presentes naquilo que foi fotografado.

É assim, por exemplo, com o “grampo” vermelho do Masp. Marca fortíssima da arquitetura de Lina Bo Bardi e da paisagem paulistana, ele aparece embaralhado e fora de contexto: deixa de flutuar no ar, força bailarina, para lamber o chão, quase pincelada no labirinto estilhaçado proposto por esses trabalhos. Ocorre algo semelhante nas três imagens que mostram um o manto monumental que protege uma área pública em reforma. Suspeitamos a localização das ruas do Rio pelas pedras portuguesas que se insinuam em um canto da imagem, mas elas são irrelevantes diante daquilo que não se vê. A cobertura translúcida transforma o volume que esta embaixo dela em uma espécie de rocha. Simultaneamente, a maleabilidade e o brilho desta tela metálica erodem e esfarelam a rocha, como a água da chuva que vai destruindo vagarosamente as montanhas, lavando-as, infiltrando-as.

“Vagarosamente”. Usei esse advérbio e alguns outros antes dele. E, se estou aqui a escrever, é preciso que eu esteja atenta às palavras escritas. O vagar e o processo implícito no sufixo “mente” são de fato importantes para compreender essa conversa com outro mundo proposta por Gonçalves. Um mundo que é lá e cá, assombroso e assombrado. Acima de tudo um mundo de vir-a-ser, que não nasce pronto.

Uma das virtudes em friccionar as imagens em sua opacidade reside no fato de que o que opaco não se entrega e não se enxerga fácil. Optar pela opacidade é abraçar a metáfora, abrir veredas, trilhas marginais. Opção mais do que necessária em um meio de arte que apresenta obras que se transformaram em soluções. Elas são transparentes e prêt-à-porter, perseguem a aderência a modelos repetidos à exaustão.

“Só num mundo de cegos as coisas serão o que realmente são”, escreve Saramago no mesmo Ensaio sobre a cegueira. Gonçalves escolhe navegar pelo mar infinito de imagens, sempre revirado pela luz de holofotes e telas eletrônicas, pelo lado mais fundo. De seu olhar submerso vêm mensagens do que é entrevisto ou invisível, e ainda assim não deixa de estar à vista.

Posted by Patricia Canetti at 12:40 PM