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junho 13, 2016
Vânia Mignone: expressão dispersa ou o afeto das margens por Luiz Camillo Osorio
Vânia Mignone: expressão dispersa ou o afeto das margens
LUIZ CAMILLO OSORIO
A trajetória de Vânia Mignone começa na virada para os anos 1990 dando à pintura um tom menos exaltado do que aquele preponderante na geração 80. Uma figuração mais crua e direta, oriunda de uma comunicação gráfica urbana atravessada pelo traço ríspido dos cordéis. Sua poética aposta em uma tonalidade afetiva desencantada com personagens solitários que nos tocam de imediato. A paleta é fria com cores chapadas sem nenhuma conotação simbólica ou psicológica. O vermelho é vermelho, o amarelo, amarelo; suas relações atuam mais por contraste do que por fusão. O preto traz luz própria, ilumina de dentro seus cenários – algo que vem da xilogravura e do Manet.
Se tivesse que imaginar aproximações de sua obra com a história da arte brasileira pensaria em três nomes cuja relação só faz sentido no interior do universo poético de Vânia Mignone; são eles Goeldi, Gerchman e Leonilson. Do primeiro, vejo uma mesma atração por personagens refratários à sociabilidade convencional, que se isolam em uma espécie de introspecção desafetada, que se ligam mais às árvores, plantas, bichos, sofás, do que às próprias pessoas que eventualmente aparecem. São seres que buscam os cantos, as margens, recusando qualquer centralidade e afirmação. A noite parece ser o momento preferido para a construção de suas cenas, do seu teatro de expressão mínima.
Com Gerchman já vejo o contato pela linha gráfica dos gibis e das fotonovelas. É comum às suas figuras pintadas, a preferência pelo personagem do subúrbio, saindo direto da dramaturgia de Nelson Rodrigues misturada à música de Lupicínio Rodrigues. Tem mais de bolero ou tango do que de samba. A Lindonéia, Gioconda do subúrbio, “na frente do espelho sem que ninguém a visse; Miss, linda, feia, Lindonéia desaparecida” atravessa algumas das figuras de Mignone e responde a muito da expressão sem expressão das suas figuras. Há na sua pintura, todavia, uma introspecção que na grande maioria das vezes esconde o olhar dos retratos e reduz a escala da figura humana – sendo nisso diferente da subjetivação política de Gerchman.
Já Leonilson é seu primo mais velho, aquele com quem sua experiência de mundo se fez possibilidade de arte. É aquela introspecção, a afirmação de uma certa fragilidade existencial que está sempre à procura de um outro lugar para a subjetividade, que os põe dentro de uma mesma micropolítica geracional. Neste aspecto Leonilson foi um divisor. Quebrou a exaltação heróica da pintura neo-expressionista dos anos 80 e fez atravessar nela uma hesitação de altíssima densidade lírica – perpassada de uma nova tragicidade. O trágico aí vinha da aceitação da finitude (a aids foi uma realidade desesperadora) cuja inscrição no corpo trazia a marca de uma entrega amorosa. Este dilema entre vida e morte, entre querer ser outro e certa impotência para mudar, articula nessas pinturas em questão uma desarticulação intrínseca entre palavra e imagem, entre sentido e sensação. Os separa, entretanto, a forte dimensão autobiográfica da poética de Leonilson inexistente, ao menos explicitamente, no caso de Vânia Mignone.
A sua trajetória pictórica manteve-se ao longo destes 25 anos perseguindo dois objetivos básicos: deixar a expressão suspensa no intervalo entre o que se pode ver e o que se sabe dizer e fazer da pintura um modo de resistência a tudo o que se vê e se diz. Daí sua contemporaneidade, sua vocação a uma atualidade sem adesão ao presente.