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fevereiro 8, 2016
Amalia Giacomini - Viés por Felipe Scovino
As obras de Amalia Giacomini constroem uma relação muito profícua entre o que a historiadora da arte norte-americana Rosalind Krauss chamou de não-arquitetura e não-paisagem ao definir um campo ampliado da escultura. Para Krauss, o campo ampliado é gerado pela problematização de um conjunto de oposições, entre as quais está suspensa a categoria modernista “escultura”. Ela aponta que o vazio, por mais paradoxal que seja essa afirmação, pode ser um meio de construção ativo do espaço, pois funciona como estrutura de sustentação da escultura. Em especial no caso de Giacomini, esse processo ocorre quando ela desloca o apoio de suas obras da parede para o espaço, como em Dobra. Com uma economia de gestos e métodos, essa estrutura em grid é exposta em um intervalo ambíguo que manifesta aparência e dissolução, expandindo o espaço de forma infinita.
Ademais, percebam que em Viés não há meios externos para a sustentação da obra. O que definitivamente sustenta a obra são as características materiais implicadas nela própria, ou seja, esta obra faz alusão às noções de gravidade, impermanência e equilíbrio através do emprego do material e da organização de suas forças. A relação das correntes com o espaço e o corpo do espectador explicitam o ponto principal do trabalho que é uma “afirmação do peso”, pois é ele quem dá forma, volume e espacialidade à obra, construindo um axioma que é atravessado por conceitos como superfície, presença, ambiente e autonomia da obra de arte. Por meio daquilo que constitui as características físicas e materiais da obra ou como ela se apresenta ao mundo, experienciamos um novo lugar. Em diálogo com o minimalismo e o pós-minimalismo, em especial com a obra de Fred Sandback, é especialmente inventivo o fato de como a linha fabrica fronteiras, caminhos, percalços, desvios, rumos, em torno de uma tridimensionalidade tátil. As ideias de não-arquitetura e não-paisagem são retomadas também pelo fato de como o entorno, e não apenas o objeto per si, é parte da obra e definitivamente trazido para “dentro” do espaço expositivo.
Em um jogo entre luz e sombra, opacidade e translucidez, o recorte de uma das janelas do Paço e a instalação de telas em série fazem com que agora o olho do espectador duvide sobre a própria memória que tínhamos daquele espaço. O corpo mais uma vez é exigido e colocado dentro dessa lógica de expansão da arquitetura, da paisagem e do objeto. Diferentes possibilidades de leitura e manifestação espacial nos são propostas. Dependendo da incidência da luz e do posicionamento que tomamos em relação à obra novas visadas da arquitetura interna e da paisagem externa são transformadas. Se a linha foi o leitmotiv das obras que se encontram na primeira sala ao construir uma espacialidade que atua em conjunto com o corpo, a luz exerce esse ofício na outra parte da mostra. Ademais, a série Memória do espaço delimita uma ocupação de um espaço que é constantemente redesenhado, reposicionado e principalmente colocado em suspeita. Ela desenha volumes virtuais e convida o olhar a percorrê-los entre uma rede de vazios, sombras e intervalos que os atravessam. Corpo, movimento, arquitetura, física, luz e uma construção virtual do espaço são campos de interesse da artista. Em suas obras, nunca o espaço é percebido como um todo pois ele está sempre em mudança. Duvidamos sobre o que está diante de nós porque sejam telas intercaladas com o espaço, a paisagem ou o próprio vazio, sejam correntes que se colocam como desenhos no espaço criando topografias ou lugares variáveis, o material e as formas criadas por Amalia sempre sugerem um ato contínuo em que olho e imaginação são constantemente solicitados e cruzados.
Felipe Scovino, 2015