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setembro 27, 2015
Relevos: Olha-Gesto-Objeto por Paulo Venancio Filho
Relevos: Olha-Gesto-Objeto
PAULO VENANCIO FILHO
Luciano Figueiredo, Galeria Leme, São Paulo, SP - 02/10/2015 a 07/11/2015
Mais uma vez, esses Relevos recentes de Luciano Figueiredo atestam uma das mais contínuas adesões ao construtivismo, seja na história ou na atualidade artística. Obra de uma coerente inventividade, profundamente convencida da relevância presente e ainda inesgotada da aventura abstrato-geométrica brasileira, Luciano coloca em ação aquela atitude experimental que nos deu tantas obras decisivas e fundamentais, identificadas logo à primeira vista.
Diante deles – Relevos – ocorre, de imediato, a indagação: relevo, pintura ou objeto? Ou todos os três. Pintura porque se coloca na parede; relevo porque se desdobra da parede, objeto porque impõe sua materialidade própria além da parede. Invenção seria certamente como denominá-los com maior precisão. Sendo invenções estabelecem sua natureza, processo e estrutura únicas. E exigem aquela artesania própria, rigorosa; técnica e exclusivamente concebida para a execução impecável e a clareza ímpar que construtivismo exige. Mais uma vez é o make it new – a invenção -, que se faz e se renova.
Inevitável é a referência que esses Relevos fazem ao jornal – provavelmente o objeto central da longa investigação e pesquisa visual de Luciano Figueiredo. Jornal: um daqueles objetos mais comuns e banais, indispensável ao cotidiano do indivíduo urbano moderno. Não há quem não viva essa experiência integrada que dá inicio ao dia e o faz quase sem se dar conta de tão óbvia e rotineira. No abrir, dobrar, folhear, fechar – gestos em seqüência –, adentramos o espaço de contato com a vida do Mundo. Neles – no abrir, dobrar, folhear, fechar -, a vida das formas informa a imediaticidade significativa da qual os Relevos se apropriam e trans-formam inventivamente, indo muito além da referência inicial – o jornal é ultrapassado.
Aí está uma espécie de síntese entre obsessão artística particular e experiência comum – o jornal como coisa, objeto, matéria visual, também “matéria” palpável, viva e ativa. Objeto diário, portanto objeto unidade de tempo e, ao mesmo tempo, espaço racional da ordenação textual-visual – objeto e espaço, matéria tátil e visual. Daí também, e por contigüidade, sua proximidade com o livro; este que foi outro sistemático objeto das pesquisas construtivas e tão significativas, especialmente no contexto da arte brasileira. Como forma que se renova tal o jornal, a cada dia, esses Relevos estão em íntima contigüidade e continuidade com o Livro do Tempo de Lygia Pape no modo como ambos expõem abstrato geometricamente a particularidade formal dos acontecimentos diários – tempo/vida e espaço/tempo.
A tela crua, a lona branca intacta é o suporte e espaço – tal como o papel jornal – dos acontecimentos e imediato impacto visual dos Relevos. Quadrados, retângulos triângulos, verdes, vermelhos, amarelos, dominam o espaço superpondo-se, entrecruzando-se, afastando-se, aproximando-se, completando-se e revelando a lógica estrutural do corte e do recorte, da colagem e da montagem. Construção ou desconstrução? Montagem ou desmontagem? O gesto corta e recorta cor e espaço e nele se percebe a precisão viva da faca/estilete nos cortes e recortes, na soma ou subtração das telas de lona. O que no jornal é o papel, no relevo é a tela crua e o dobrar e desdobrar são gestos que vêem do jornal – o desdobrar implícito em que cada trabalho parece já anunciar um outro tal é a fluência construtiva que os anima.
Nesses Relevos os acontecimentos abstrato geométricos – retângulos, quadrados, triângulos, as cores monocromáticas – ganham a forma do impacto e o impacto da forma e a obra é o resultado de uma calculada e refinada “edição”. A imediaticidade da forma construtiva é isolada na sua máxima intensidade e o formato requer uma atenção especial o que explica o uso constante do formato diamond tão utilizado por Mondrian. Se é assim; cada Relevo é como um momento de transição para um outro, tal um fotograma de seqüência cinematográfica. Luciano ata então duas vertentes históricas da experimentação construtiva; o cinema e as artes gráficas. Assim, mais uma vez, me parece, esses Relevos também apontam e se encontram num possível e provável encontro (e continuidade poética) entre os Bichos de Lygia Clark e o cinema – entre a ação tátil e o movimento visual.
Na ação de folhear-ler embutida nesses Relevos, os gestos e o olhar se complementam – o olhar-gesto é também um interagir e manipular. Essas idas e vindas pelos acontecimentos diários se tornam uma operação de caráter abstrato, finamente formal, infundida de vida. O diálogo entre cor, elementos geométricos e formato mostra com exuberância a fluência de anos de exercício experimental (da liberdade) do dialeto construtivo. Das possibilidades vividas do cotidiano e das ilimitadas possibilidades do dia-a-dia da invenção. Nada mais, nada menos do que um diário da vida construtiva.