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setembro 17, 2015
Adaptável ao espaço que as palavras ocupam por Liliane Benetti e Jimson Vilela
Adaptável ao espaço que as palavras ocupam
LILIANE BENETTI e JIMSON VILELA
Leio com os cotovelos apoiados sobre a mesa. Coço a cabeça e olho para cima quando a leitura fica vertiginosa. Vejo livros à minha frente, à esquerda e à direita. Certamente há livros atrás de mim.
Estou numa clareira ou qual é o nome do lugar dentro de uma biblioteca onde não há livros?
Nessa altura do pensamento, já parei de ler. Apenas observo as estantes repletas de livros. Parecem fechadas mas, aos poucos, meus olhos percebem frestas que deixam ver a estante seguinte e, com sorte, a próxima, assim como o olho que se acostuma com a transparência do branco do papel que aparece por entre as letras.
Levanto-me e caminho entre as estantes e esses espaços se proliferam. Pergunto-me sobre isso. O raciocínio me leva à conclusão de que livros não são como tijolos, objetos de forma definida. Livros são adaptáveis ao espaço que as palavras ocupam.
Adaptável ao espaço que as palavras ocupam, proposta que Jimson Vilela traz ao Piso Flávio de Carvalho,expande-se como um corpo escultórico em proliferação: as páginas de um livro alastram-se pelo lugar, escalam estantes e aceleram-se em quedas. Emaranhadas no chão, as folhas brancas parecem retomar o fôlego e continuar o caminho do piso às prateleiras. No ímpeto de atravessar o espaço e preencher em simultâneo as estantes, o volume indisciplinado e arrítmico oferece um contraste imediato com a distribuição sistemática das fileiras de livros avistadas no piso inferior, onde está localizada a biblioteca do CCSP.
A distribuição de espaços em uma biblioteca é dada por um sistema de catalogação por afinidades de assunto e refere-se, assim, ao conteúdo do livro e não ao ato de preencher prateleiras. São deixados, por conta disso, espaços vazios em algumas estantespara que possam vir a ser ocupados à medida que a biblioteca adquira novos volumes. Na lógica da biblioteca, o crescimento da coleção é algo previsto na própria lógica da biblioteca e quando um assunto extrapola em livros o espaço originalmente destinado a ele, sua seção é remanejada.
Se, por um lado, as estantes de ferro são reunidas ali para duplicar o tipo de “espacialidade esquadrinhada” comum às bibliotecas, por outro lado, não há em Adaptável ao espaço que as palavras ocupam uma distribuição sistemática do espaço, ao contrário disso, o que o trabalho realiza é uma ocupação que se apodera das estantes nas quais infere-se que o mesmo volume de papel seria contido se estivesse subdividido em centenas de livros. Trata-se, porém, da distensão de um único livro em branco de 160 páginas com 300 metros de comprimento. Ao trabalho de Jimson Vilela não interessa propriamente o conteúdo mas o espaço onde o conteúdo é depositado. As páginas alongadas que se entremeiam desdobram o espaço interno do livro enquanto uma potência capaz de rivalizar com o espaço arquitetônico.
Em 2014, visitei o Centro Cultural São Paulo durante o período de montagem de uma das mostras e me deparei com o espaço completamente aberto, sem paredes, e pensei nas potencialidades desse espaço livre das paredes expositivas que, por sua vez, são o elemento que configura aqueles espaços enquanto lugares destinados a exposições.
Aproveitei para caminhar pelo espaço até o momento em que percebi que o lugar onde estava era uma “passarela” sobre a biblioteca. Desci e confirmei minha impressão. Comecei a imaginar os pavimentos do CCSP enquanto nichos de uma estante. Certamente, essa imagem foi deflagrada pelas estantes de livros da própria biblioteca do CCSP e também pelos vãos que marcam aquela arquitetura.