|
setembro 5, 2015
Robert Kelly: From Here to There por Jorge Sayão
Robert Kelly: From Here to There
JORGE SAYÃO
Nascido em Santa Fé, Novo México, em 1956, Robert Kelly reside e trabalha em Nova York desde que se formou em 1978 na prestigiosa Harvard University, Cambridge, MA. Antes de se dedicar inteiramente à pintura, em 1982, Robert Kelly trabalhou como fotógrafo comercial para a Polaroid. Desde então o artista tem realizado exposições individuais nos mais diversos centros de arte ao redor do mundo como: São Francisco, Copenhagen, Turim, Santa Fé, Monterey, Houston, Vancouver e Nova York e agora apresenta seus novos trabalhos no Rio de Janeiro.
As obras de Robert Kelly se inscrevem na ampla tradição construtiva moderna, linhagem de artistas que abrange alguns dos nomes mais importantes do modernismo. O holandês Piet Mondrian, do De Stijl e o suprematista russo Kazimir Malevich são dois dos artistas, de primeira hora, que influenciaram Kelly. A eles se somam os artistas e professores da Bauhaus, no que poderíamos chamar de a primeira grande geração de artistas construtivistas. Mas as influências são mais abrangentes, tanto temporalmente quanto geograficamente, não se restringido ao momento inaugural do construtivismo. Igualmente importantes são artistas que gravitam, com maior ou menor proximidade, à volta do núcleo construtivista: o escultor romeno Constantin Brancusi, o pintor uruguaio Joaquin Torres-Garcia, o escultor americano Alexander Calder, Tony Smith com suas estruturas pré minimalistas, artistas alemães de diferentes gerações, os modernos Kurt Schwitters e Hans Arp e o contemporâneo Blinky Palermo. As influências de Kelly são extensas e abrangentes, quase sempre relacionadas com as formas geométricas do construtivismo, mas guardando lugar para alguns artistas que escapam a esta designação: Bill Traylor, Louise Bourgeois, Philip Guston e Richard Diebenkorn.
Mais recentemente, a partir dos anos 1990, quando sua produção artística já estava bem consolidada, Kelly travou contato e se aproximou da obra de alguns dos nossos principais artistas construtivos e neoconcretos, notadamente Sergio Camargo, Lygia Clark e Hélio Oiticica. A corrente de influência que se verifica na arte brasileira, até então predominantemente uma via de mão única e no sentido norte-sul, na obra de Robert Kelly, inverte a direção tornando suas obras particularmente interessantes para o público brasileiro.
Não obstante o contato tardio, a influência das obras dos artistas brasileiros se faz notar pela convergência dos processos de construção das formas, não determinadas por um axioma, mas geradas a partir do próprio processo de seu aparecimento. Não há um princípio racional anterior, gerador da forma, que venha a guiar as ações do artista. Kelly afirma: “eu não quero pintar algo, eu quero deixar a pintura ser ela mesma”. O processo é predominante na construção da forma fazendo com que a dinâmica da pintura estabeleça o que é pintado.
Por vezes o processo se torna perceptível na maneira como as formas de uma obra anterior geram descendências. Formas que nascem de outras formas, em uma série de variações que se auto engendram, sem no entanto estarem regida por nenhuma lei detectável ou formula redutiva. As formas são claras e simples, sem serem simplistas, como demanda o entendimento. Em um elegante e refinado jogo de variações formais, a superfície da pintura é acionada e os limites da tela são ativados nas tangencias de um círculo ou na contiguidade de um retângulo. Os limites entre o dentro e o fora são questionados tencionando as relações entre o mundo da arte e o mundo da vida.
Vez por outra uma transparência deixa entrever uma espacialidade nova aos cânones concretos, o que em outro momento histórico poderia parecer uma heresia, se mostra na tela perfeitamente coerente e assimilável, e assim como nas sobreposições, a ordem sensível da forma se sobrepõe à ordem dos axiomas racionais. A autonomia da forma é reafirmada, e com ela são enfatizados nestas telas sua independência, tanto de um mundo referencial sensível, como de um mundo puramente racional. As formas valem por si próprias no seu modo de vir ao mundo como obras. “Não quero me ver tanto nas pinturas”, declara ele, “tanto quanto quero que as pinturas assumam sua própria autoridade”.
A emblemática conjunção entre o construtivista russo Malevich e o existencialista argelino-francês, Albert Camus, é a síntese da obra de Robert Kelly. Em seu processo de construção Kelly deita camadas de papéis impressos, envelopes de cartas, pôsteres, manuscritos que servem como uma base para a recepção das elegantes formas geométricas. Camadas de existência são pacientemente adicionadas, umas por cimas das outras, em um lento e meticuloso trabalho de estratificação. São o tempo e a vida que lentamente se depositam na superfície das obras, uma localização geográfica obtida através de uma língua estrangeira, uma referência temporal no estilo da diagramação de um impresso, uma carta, um selo, uma data. Particularidades, o mundo das contingências, as vidas individuais se impregnando e deixando os rastros do seu dia a dia. As camadas de tinta deixam perceber tenuamente a sua existência, marcas quase apagadas, o tempo esmaecendo as definições das coisas, a memória que só retém os traços gerais. O mundo da vida, os fenômenos cotidianos enterrados por camadas de tinta e esquecimento. Reinando por sobre este mundo a forma geométrica, autônoma, pura, não contaminada pelas contingências fenomenais. Em sua limpidez se sobrepõe aos fenômenos impondo sua presença. Articula-se com o mundo da vida, mas dele não depende. Insere-se na matéria, mas tem sua existência garantida como ente da razão. Flutua para além do material e do temporal. Qual a relação entre estes dois estratos da realidade. A filosofia sempre se esforçou por articulá-los, mas só a arte foi capaz de fazê-los conviver.
As obras de Robert Kelly fazem parte das coleções de alguns dos museus e instituições culturais mais prestigiosos da Europa e dos Estados Unidos, entre eles: The Whitney Museum of American Art, New York, NY; The Brooklyn Museum, Brooklyn, NY; The Museum of Fine Arts, Santa Fe, NM; Milwaukee Art Museum, Milwaukee, WI; Smith College Art Museum, Northampton MA; Jane Voorhees Zimmerli Art Museum, Rutger’s University, NJ; Montgomery Museum of Fine Arts, Montgomery; The Fogg Museum, Cambridge, MA; The Margulies Collection, Miami, FL; and the McNay Art Museum, San Antonio, TX.
Jorge Sayão é doutor em História da Arte pelo Departamento de História na PUC-RJ