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junho 17, 2015
Soy un perdedor, I am a god por Raphael Fonseca
Soy un perdedor, I am a god
RAPHAEL FONSECA
Quando Alvaro Seixas me convidou para escrever esse texto, veio com o nome da presente exposição definido: Paintbrush. Conversamos em seu ateliê e pude ver alguns dos trabalhos aqui apresentados. Modernismo, pintura, abstração e História foram algumas das palavras-chave que rondaram a nossa conversa. De todo modo, elas não me pareciam dar conta da irreverência que o título “Paintbrush” pode conter.
Essa inquietação me levou a refletir em torno desta categoria estética esboçada pelo artista. O termo em inglês pode levar a duas interpretações; a palavra que diria pincel em português me parece ser o caminho mais rápido de leitura. Enquanto isso, há aqueles que se lembrarão do célebre software de mesmo nome que opera em distintos sistemas operacionais. Nos idos da década de 1990, com o aumento da popularização dos computadores no Brasil, foi ali que muita gente fez seus primeiros desenhos e ilustrações digitais. A precariedade do aplicativo era notável: as fontes eram de difícil regulação, o botão de spray estava distante de se parecer com a potência das cores de um Basquiat e desenhar linhas retas demandava estudo. As páginas em branco dos arquivos novos eram um convite à experimentação e à certeza de que aquelas imagens, quiçá em outro aplicativo futuro, poderiam ser mais arrojadas.
Havia uma certa despretensão no uso do Paintbrush que me parece fazer eco nas pinturas aqui reunidas de Alvaro. Entram em jogo materiais menos tradicionais e nobres da História da pintura, como o próprio spray e os rolos de pintura de parede. Se em outras exposições suas as referências à história da arte moderna aparecem por vezes de modo citacionista, talvez aqui seja possível reconhecê-las mais pela informalidade das composições do que pela possibilidade de apontarmos iconografia precisas.
Essa palavra - “informal” - nos possibilita aproximar esses trabalhos de grupos distintos de artistas, tais como os célebres pintores estadunidenses chamados por “expressionistas abstratos” ou os brasileiros e franceses alcunhados “abstracionistas informais”. Independentemente da bagagem artística do espectador, me parece mais potente seguir junto às janelas do Paintbrush. Adentrar a galeria e movimentar nossos corpos no espaço já possibilitam constatações para além das memórias da espacialidade modernista.
Diversos são os modos de composição dessas telas; se algumas parecem vir da ferramenta de preenchimento de formas com uma cor só (aquele ícone do balde de tinta), outras se dão a partir da repetição de cliques das pinceladas. O mesmo pode ser dito sobre as próprias paredes que, uma vez pintadas em tons que mais parecem extraídos de catálogos de decoração, transformam o cubo branco em um mostruário de cores dóceis.
Essas opções técnicas e cromáticas fazem lembrar de um dado memorável do Paintbrush: sua limitada capacidade de apagar a última ação do usuário. Se, por exemplo, dois jatos de spray neon fossem aplicados em lugares posteriormente indesejados, apenas seria possível subtrair o último. Cabia ao ilustrador digital aprender a conviver com seu erro ou começar uma nova imagem a partir do branco. Gosto de pensar essa exposição em sentido parecido; verbos como “acertar” e “errar” perdem seu sentido e são substituídos pelo fenômeno do “experimentar”. A pintura é um campo de batalha mesmo quando desmonumentalizada através de sua aproximação com algo tão corriqueiro como um software de imagens digitais.
Justo por serem tão profanas, não é difícil nos sentirmos convidados a contemplar e habitar os percursos dessas imagens. O olhar percorre atenciosamente essa série de trabalhos devido à capacidade do artista conseguir reunir elementos formais e cromáticos que parecem tão ruidosos quando juntos, que são capazes de criar uma espécie de sinfonia onde sample, orquestra e verborragia se misturam. Isso está naquele jato de spray rosa neon sobre a superfície também de cor rosa ou naquelas pinceladas verdes e azuis que receberam outros espirros de neon sobre suas camadas. Isso me parece estar presente também quando, numa perspectiva mais geométrica e arquitetônica, se repete sobre parte de um dos portais da galeria a mesma cor aplicada sobre uma tela quadrada.
São nesses detalhes – é no solitário jato rosa sobre uma pequena tela redonda – que se constitui a pesquisa do artista. É assim que opera o seu Paintbrush e seus botões personalizados de formas, cores e preenchimentos. Mais do que um apaixonado neto do modernismo, seu trabalho tem a latência de um estudioso da arte consciente de sua capacidade de abrir diversas abas em um mesmo espaço.
Entre o Paintbrush e a pintura há uma distância tão grande quanto a encontrada entre Beck e Kanye West. Se um diz “Soy un perdedor”, o outro canta “I am a god”. O fazer do DJ também pode ser um potente espaço de composição. Nada impede, como nos mostra tão bem Alvaro Seixas, que se trabalhe a partir desse diálogo pendular.