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junho 12, 2015
Reconfigurações por João J. Spinelli
Reconfigurações
JOÃO J. SPINELLI
Idealizado pelo Espaço Expositivo e Residência Artística Transarte, o Edital Bolsa São Paulo de Apoio às Artes Visuais tem como meta principal favorecer e valorizar a criação artística diferenciada, incomum à produzida na atualidade adstrita em sua maioria aos apelos do incipiente mercado de arte brasileiro e ou aos modismos embasados em valores oriundos do mercado artístico internacional: uma indagação cultural independente, proposta e articulada pela Transarte - sem nenhum apoio financeiro governamental – pensada somente para fomentar, vivificar, pensar a arte brasileira desvinculada de todo e qualquer tipo de imposição estética, social, política, econômica e ou cultural.
Por se tratar de um projeto incomum suscitou indagações dos próprios artistas inscritos, frente à sua determinação inicial de encontrar autores com domínio técnico que entendessem e vivenciassem a arte com liberdade e autonomia. Idealizações sensíveis, distantes de pulsões nostálgicas; reafirmações criadoras que interrogam semântica e tecnicamente a própria contemporaneidade, seus percalços e inseguranças com o porvir.
Além de apresentar novos talentos a Transarte reconfigura a função mediadora exercida pelos antigos salões oficiais de arte patrocinados por museus e instituições públicas, que desde o final do século XIX até a segunda metade do século passado, intermediavam com eficiência as criações de artistas jovens, apresentando-os à comunidade. Sem recorrer e ou utilizar nenhum recurso financeiro público, institucional, distante do óbvio e de meras novidades alvissareiras apresenta a produção plástica de seus primeiros selecionados, reforçando assim que a criação artística contemporânea não precisa ser entendida apenas como um ponto de partida, distante da história da arte, que documenta da pré-história até os dias atuais a sua contínua transformação, mas que registra, como uma única verdade, a liberdade frente à diversidade de linguagens desvinculadas de todo e qualquer tipo de imposições políticas, sociais, mercadológicas. Isentas de proselitismos reafirmam que o fundamental para a criação artística nunca foi alterar a realidade, mas provocar novos e transformadores olhares.
Além da pintura de linhas, formas e composições estruturadas de Thiago Hattnher, das assemblages pós-dadaístas de Alexandre Heberte, a Bolsa São Paulo reforça o caráter democrático da gravura, da fotografia e do videoarte apresentados por Sandro Brasil, Julia Goeldi e Alexandre Teles. Diagramas conceituais convergentes registram a diversidade e a transitoriedade da representação imagética destas duas primeiras décadas do século XXI.
Interfaces das artes visuais, estas técnicas alcançam um número maior de espectadores que por sua vez lhes outorgam um caráter vivo, dinâmico.Estas obras, diferentemente da solidão do processo criativo específico da pintura, nascem de um trabalho solidário do gravador com o impressor, do fotógrafo com o editor e do videomaker com o computador, criando por tabela, uma relação mais próxima do cotidiano, como era costume acontecer com as antigas gravuras utilizadas como ilustrações bibliográficas que determinaram, desde o início, a finalidade principal desta técnica pioneira da arte multiplicada: estar junto ao público e ser de fácil acesso a todas as camadas sociais, ao contrário da produção hermética, intelectualizada exposta na maioria dos museus e ou galerias de arte convencionais.
João J. Spinelli
Prof. Dr. ECA, USP. Historiador e Crítico de Arte