|
junho 8, 2015
Tiago Judas: O monstro por Paula Borghi
Tiago Judas: O monstro
PAULA BORGHI
Tiago Judas - O monstro, Central Galeria de Arte, São Paulo, SP - 12/06/2015 a 08/08/2015
No princípio o Herói buscava a estrela. A luz brilhando no céu, hoje vai ao encontro da forma através da imperfeição. Para isso, é preciso embarcar de corpo e alma na escuridão dos sete mares. Foi assim, a fim de compreender os mistérios da natureza, que o nosso grande Herói navegou em direção a mais uma aventura.
Da escotilha do navio, ele avista o primeiro sinal. Três boias flutuavam em direção ao seu olhar. Com a ajuda de uma luneta ele pode notar uma boia esférica, uma cônica e outra cúbica, cada qual em uma cor. Mareado, não podia acreditar no que via. Pensou se tratar de uma miragem devido ao tempo em que se encontrava solitário em alto mar. Mas era real. Por um instante achou que estava perto da firmeza do chão. Contudo, as boias nada ancoravam. Elas estavam simplesmente flutuando naquela imensidão, dançando conforme a maré. "quadrado, triângulo e círculo", ele repetiu em voz alta para si mesmo.
Naquele momento um pássaro pousou no mastro descansando suas asas por alguns minutos. Eles se entreolham, nada disseram. Passado alguns minutos o pássaro retoma seu vôo deixando uma única pena cair no convés. Um agradecimento ao Herói por sua hospedagem, que pega o presente e equilibra-o na ponta de um filete de papel para lembrar-se que mesmo para quem busca o chão, de vez em quando é bom olhar para o céu. Este era mais um sinal.
Um longo tempo a deriva, no embate entre a realidade e a ilusão, e de repente uma abelha entra zunindo na cabine. Sim, uma abelha só passeia onde pode colher flores, e flores precisam de raízes. Ele estava perto do chão, aquele era o último sinal. Quis chorar de felicidade mas estava seco. Depois de dias lutando pela sobrevivência sua alma era um fóssil, uma memória. Mas aquela paralisia iria acabar em breve. Os sinais eram claros, o chão estava próximo e logo poderia dar passos firmes em algum continente.
Algumas léguas dali um vulcão entra em erupção e transborda sua cascata flamejante. A lava alaranjada encontrava o mar e ao se resfriar tornava-se terra preta. A fumaça desse encontro norteia o Herói que reassume o leme. Agora com rumo ele lembrou das três formas geométricas primárias boiando no seu caminho, da pena que antes era pássaro e da visita da abelha que veio de uma harmônica construção de espaços hexagonais. Enquanto mantinha sua rota em direção a disforme fumaça que surgia na linha do horizonte pensava no quadrado como o mundo material, como uma prisão necessária que nos coloca na experiência das suas quatro paredes, a largura, a altura, a profundidade e o tempo, enquanto o triângulo, onde dois pontos se tornam um, pode ser visto como um caminho em perspectiva, que leva a matéria para o círculo, a suficiência do tudo; o infinito.
Sendo o Herói um ponto flutuando no oceano, agora com um outro ponto de referência, mesmo que esfumaçado, ele pôde traçar uma reta, e só assim notou que o seu barco esteve o tempo todo ancorado. O Herói experimentou as tempestades e as calmarias mas não chegou a sair do lugar. Era preciso enfrentar o desconhecido. Lançou-se ao mar em um gesto corajoso. O contraste entre a chama que ardia dentro dele e o mar que fluía afora, era simplesmente lindo e aterrorizante. "Triângulo, circulo, quadrado, pássaro e hexágono", pensava quase que como um mantra enquanto nadava. Seu espírito estava se preparando para a transformação, para o encontro com a essência da matéria.
O sol havia se posto, naquela noite a lua era nova e o céu estava sem estrelas. No meio da escuridão, um ideal é uma luz que indica o caminho para chegar até o horizonte, onde existe nova forma, terra firme transbordando do vulcão. Sem hesitar, nosso Herói nadou depositando toda sua energia naquele percurso, naquela linha, naquele desenho em alto mar. Não havia nada capaz de fazê-lo desistir. Sua determinação alcançava uma outra dimensão do espírito. Sim, ele sabia que estava acompanhado pelo monstro e isso não o atingia. Ele só precisava ir em direção à luz.
Porém, por mais persistente que o Herói fosse, ele ainda tinha que lidar com os limites da matéria. Foi sabendo desses limites que o monstro encontrou o caminho para atacá-lo. Projetando a mandíbula, ele deu a primeira mordida. Naquele momento o Herói sentiu-se preparado para ser devorado. Quando deixou o barco ele sabia que somente com a entrega ao movimento natural, ele poderia encontrar a forma perfeita. E assim foi devorado, deformado e transformado em movimento.
Ele aceitou a imperfeição, para um dia ter o direito de ver o perfeito.
Paula Borghi
São Paulo, maio de 2015