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junho 8, 2015
Sob relógios: dias de areia: segundos de chuva: por Raquel Stolf
Sob relógios: dias de areia: segundos de chuva:
RAQUEL STOLF
O ouvido se inclina sem sair do lugar. Um ruído cai, escorre e escoa. Entre cada segundo, um punhado de ar. Ou um grão (sólido, líquido ou gasoso).
Um grão como um sinal:
Tentar agarrar a cortina de chuva, a parede de chuvisco, numa película reversível de espera. Um silêncio descontínuo aguarda sua vez de entrar em cena. Em cada conjunto de grãos que desliza de mão em mão, entre um ouvido e outro, acena uma atmosfera.
Existe alguma diferença entre o sinal gráfico de um parêntese, o sinal gráfico de uma chave e um grão de chuva? Entre alguns parênteses (entre mãos), escuta-se algo. Ausculta-se algo rente/entre chaves, antes ou depois? Há alguma chance numa fração de areia?
Nem antes, nem depois. O que está sendo pensado, visto e escutado aqui ou ali acontece simultaneamente dentro e fora. O ângulo entre a parede e o chão também precipita.
A chuva pode ser desacelerada, aguda e invertida. Como uma queda aquecida, num sol plano. A sobreposição é tátil, na trepidação de ruídos escondidos, na demonstração de um precipício percussivo. O eco diminuto de cada esfera catalisa uma espécie de nuvem interna, que ressoa e se dissipa até ser reativada.
Dias de areia em segundos de chuva.
Instante suspensivo e dispersivo:
O fluxo de gestos (mãos, grãos, grânulos tênues) adia alternadamente um encontro com o sentido? Ou o sentido está nas margens? O que acontece entre a duração dos autoinstrumentos e a duração de uma cronoescuta?
O silêncio é a areia dos ruídos1 ou o ruído é a areia do silêncio?
1 PONGE, Francis. A mesa. Ed. bilíngue. Trad. I. A. Reis e M. Peterson. São Paulo: Iluminuras, 2002. p. 187.