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fevereiro 12, 2015
Amílcar de Castro e a coerência do método por Paulo Sergio Duarte
Amílcar de Castro e a coerência do método
PAULO SERGIO DUARTE
Amilcar de Castro, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, RJ - 26/11/2014 a 15/03/2015
Estamos diante de um dos elevados momentos da arte da segunda metade do século XX: a obra de Amílcar de Castro (Paraisópolis, 1920 – Belo Horizonte, 2002). Que essa obra tenha se materializado num país de periferia, com mais da metade de sua população habitando a zona rural na década de 1950 (segundo o censo de 2010, hoje, são um pouco menos de 16%), é um dos problemas que críticos e historiadores da arte do Hemisfério Norte só agora começam a tentar compreender. O Manifesto neoconcreto (1959), escrito pelo poeta e crítico Ferreira Gullar e assinado pelo autor, por Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanúdis; a Teoria do não objeto (1959), de Gullar, e um conjunto de textos de Mário Pedrosa, escritos ao longo da década de 1950, testemunhavam sobre a emancipação crítica e teórica sobre a arte no Brasil. O Manifesto neoconcreto é um momento privilegiado dessa reflexão ao se opor ao positivismo naïve dos teóricos do concretismo e seu “objetivismo”.
Para esse nível de compreensão da arte ser atingido, num país que vivia o empenho do segundo governo Vargas e, logo depois, o Programa de Metas de Juscelino Kubitschek com a construção de Brasília, era necessário que, além da aventura arquitetônica, houvesse um conjunto de obras de arte significativo, ainda que de circulação extremamente restrita pela ausência de um empenho efetivo na formação de coleções públicas. Toda a rica reflexão crítica e teórica se fundava, sobretudo, numa produção local. A obra de Amílcar de Castro é um dos pilares dessa produção. E não é exagerado dizer que é um dos elevados momentos da arte da segunda metade do século XX.
Retrospectivamente, observando-se com a distância de várias décadas, a produção escultórica desse período, tanto a europeia, a norte-americana, como a japonesa, tem-se a ideia da dimensão da contribuição de Amílcar que se manifesta com destaque desde a 2ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1953. O poder da obra, sua potência poética, reside na coerência do método, perseguido ao longo de toda a trajetória do trabalho. Na escultura, são raríssimos os trabalhos em que se encontra a solda. O método foi partir de um plano quadrado, retangular, de um quadrilátero irregular ou circular, realizar um corte e a dobra, gerando não apenas a tridimensionalidade, mas, sobretudo, uma nova experiência do espaço. As possibilidades desse método, ao visitante, estão demonstradas desde esculturas monumentais no exterior do museu, nas de grande e pequeno porte, e nas 140 esculturas que têm em comum não se repetir e ter ao menos em uma de suas dimensões 23 cm.
Ao método de corte e dobra, a partir da década de 1980, vem se somar o método da utilização de blocos de aço e madeira no qual serão realizados apenas cortes que permitem, pelo deslocamento entre as partes, diversos exercícios de experiência da escultura. Alguns desses trabalhos foram também realizados em mármore.
A esses se juntam as experiências de escultura em vidro, raramente apreciadas, e os magníficos “desenhos”, como Amílcar chamava suas pinturas sobre tela e sobre papel.
Espero que aquele que estiver aqui lendo esse texto volte a visitar essa magnífica lição sobre a arte que é a obra de Amílcar de Castro.
Paulo Sergio Duarte
Curador