|
novembro 11, 2014
e-terno-tempo de lia por Sonia Salcedo
e-terno-tempo de lia
SONIA SALCEDO
Este texto faz parte do livro Sobre a natureza do tempo, sobre a obra da artista Lia do Rio, publicado pela editora F10 em 2014, que conta ainda com os textos de Ann Mary Perpétuo, Bené Fonteles, Edgar Lyra, Gilda Lima, Isabela Frade, J. Arthur Bogéa, James Arêas, Keinisuke Murata, Maria Ziláh, Monica Mansur, Raphael Rubinstein, Regina Vater, Xico Chaves e da própria artista.
Destemida, uma folha se lança no abismo do acaso. Liberta de seu ramo ou lugar, evolui num desenho-dança no espaço. Atento, o olhar de Lia capta aquele momento, reinventando-o como imagem, vestígio-rodopio-vídeo, traço, instalação... Não menos interessada, enquadra o desflorescer de um jambeiro sobre as pedras do caminho e, fotograficamente, faz daquele purpurar pintura-tapete-flor...
A vida en rose é ciranda pra Lia. Brincadeira de roda que roda, roda e num instante: um dia criança, volta e meia nem tanto... Façamos de conta, então: esconde-esconde de sol – que tece traje de seus feixes – travestindo palmeira-girafa de sombra solo, rés do chão, em ponteiro-relógio-luz... [h]ora gente, [h]ora gigante... tique-taque bradicárdico de pulso-atleta-corredor...
Largada, circuito, chegada é história pra Lia contar, sem princípio, meio ou fim: germe/broto, folha/flor, logo logo fruto-semente que gira e volta a germinar... eterna e efemeramente... e volta a girar efêmera e eternamente...
Qual evento-performance candente, vejam: a folha goelabaixo fogo voraz engolidor... folha-fumaça > folha-brasa > folha-cinza em jazer transmutador... se a chama foi bela e alta (lembrando Quintana), cantemos a canção da vida na própria luz consumida!
Sim!... e tudo um dia vira rastro, marco indicial do ser em seu mover circular... quer seja forma, ritmo, imagem ou aliança natura naturans-naturata, nada escapa à progressão espiralar... áurea geometria cumulativa feito casa/casca/caracol/caramujo. Eis o tempo, tempo, tempo... efêmero, eterno e terno tempo de Lia, escriturado, assim, em livro de folhas, página a página, aberto, opaco, esférico, vazado, como surdo silêncio a vibrar no devir.
Ab ovo a semente, desta vez num ventre. Tem timbre de tambor e xilofone de ninar? [Ah!]: germe-broto-ciclo-gente feito espelho-mosaico, memória-caleidoscópio, passadeira-sépia de madonas-lias aos nossos pés, passo a passo entre compassos de caixinhas musicais... espaço [ENTRE] tempo do cubo branco, como caixa-preta de uma arte movida pela inadequação da paridade celebração/melancolia... Pura invenção de Lia... do desejo, vontade ou necessidade de perceber cada espaçar do tempo no luto de sua indecifrável densidade ou misteriosa vacuidade. Paradoxo que lhe apraz, imprimindo em seu semblante um quê de Monalisa.
Sonia Salcedo* – Julho, 2013
* Doutoramento em Artes Visuais (EBA/UFRJ/RJ). É artista curadora e autora dos livros Cenário da Arquitetura da Arte - montagens e espaços de exposições (2008) e Poética Expositiva (2011).