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agosto 15, 2014
Arquitetura aérea por Paulo Sergio Duarte
Arquitetura aérea
PAULO SERGIO DUARTE
A arquitetura é sutil, muito sutil. Entrega-se de modo evidente, mas não se apoia, antes flutua. Sem necessitar de fundações, de terrenos ou territórios, de um solo, é uma arquitetura aérea. É uma trama, que se encontra aqui e ali, mas às vezes se entrelaça. São antes de tudo pintura e desenho simultâneos. Sofrem delicadamente essa existência sobre a superfície branca à qual tem que se impor sem agredi-la. Sofre? Erro, não sofrem; usufruem do branco que, em alguns momentos, a atravessa e areja. De sua leveza derivam suas posições. Dolly Michailovska joga com os volumes e sua rica paleta de cores sutis; nunca ocorre uma extravagância. Os vetores de direções constroem a espacialidade. Estamos distantes da pintura planar de um Matisse, de um Mondrian, de um Pollock ou de um Rothko. A arte contemporânea em muitas de suas explorações pictóricas não apenas retoma a figura como a ilusão de profundidade. Mas aqui a “figura” são blocos anônimos, troncos de pirâmide, paralelepípedos, estruturas abstratas, e trabalha com perspectivas invertidas que se opõem e produzem tensão na medida certa. Mesmo suspensos, não desabam.
A plasticidade encontrada entre pintura e desenho é outra oposição perspicaz. Às superfícies marcadas pelos módulos geométricos vêm dialogar com aqueles que se assemelham a desenhos a bico de pena que não transgridem os elementos em comum, os próprios módulos, e acrescentam uma trama transparente. Os matizes cromáticos delicados usam a geometria para proceder a variações em torno de uma mesma cor cujos tons variam do claro ao escuro como notas em uma partitura revelando suaves acordes.
Essas imagens seguramente têm origem na artista formada arquiteta pela antiga Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, atual UFRJ, quando ainda estava instalada no campus da Praia Vermelha, no prédio da antiga Reitoria. Lá foi palco, não somente da formação de parte de nossa melhor arquitetura, hoje desaparecida do cenário cultural da sociedade brasileira, como dos primeiros shows da bossa nova. A artista, embora se dedicando primordialmente ao trabalho que agora podemos apreciar, mantém suas ligações profissionais com o campo de sua formação. Agora compreendemos melhor os blocos e esculturas que temos diante de nós, a origem de seu rigor e suas relações de parentesco. São sóbrios corpos que ressurgem de um momento privilegiado da cultura da sociedade brasileira que marcou a artista. Dolly, talvez pelo estado em que hoje nos encontramos, não localiza o solo onde apoiar seus edifícios de geometria e cor, não lhes resta senão flutuar sobre o chão que não mais os merecem. A imaginação arquitetônica mesmo assim se manifesta com força no espaço inventado pelo talento e, repito, pelo rigor.
Rio de Janeiro, julho de 2014.