|
agosto 12, 2014
Batalhão de Telegrafistas por Fernando Oliva e Tobi Maier
Batalhão de Telegrafistas
FERNANDO OLIVA E TOBI MAIER
Batalhão de Telegrafistas parte de obras que integram arquivos de artistas brasileiros participantes de diversas redes internacionais de Arte Postal, caso de Gastão de Magalhães, f. marquespenteado, José Henrique Fabre Rolim e Luiz Guardia Neto, cujos acervos apontam para uma constelação de muitos outros nomes.
Entre os itens raros localizados a mostra exibe o cartaz da “The Fourth Metaphysical Telepathic Exhibition (Quarta Exposição de Telepatia Metafísica, 1986, Breslávia), organizada po rAndrzej Dudek-Dürer em torno de dezenas de nomes de mais de 30 países pelo mundo.O artista polonês, que se considera a personificação de Albrecht Dürer, costuma tocar instrumentos como koto e sitar de modo a receber o espírito do grande pintor alemão do século 16. Os sons que ouvimos nesta exposição são produzidos pelo próprio artista, em gravações dos anos 1980, que a seguir eram disponibilizadas para sua rede postal em fitas cassete. [1]
Almandrade, artista, poeta e arquiteto radicado em Salvador, Bahia, foi integrante do grupo de artistas criador do movimento Poema/Processo e um dos fundadores do Grupo de Estudos de Linguagem da Bahia, que editou a revista Semiótica em 1974. Desde a década de 1970 ele produz um trabalho voltado ao conceitualismo e à estética minimalista, tendo boa parte dele transitado pelos correios nacionais – caso do envelope lacrado que enviou para amigos no ano de 1973, cuja palavra no interior só se revela à contra-luz (um clássico método espião), quando se lê “psiu”, uma referência ao controle do sistema político sobre o discurso no período ditatorial brasileiro.
É evidente que a Arte Postal não se resume a simplesmente enviar obras pelo correio. Ele é a própria mídia, suporte e, em alguns casos, também co-autor do que se cria. Este é o caso das “pinturas postais” de Karin Sander, que carregam as marcas oficiais dos correios em seus deslocamentos pelo mundo; das “esculturas fedexadas” de Walead Beshty, objetos frágeis que são danificados pelo transporte e assim são apresentados ao chegar no seu destino; e das “fotografias postais” de Moyra Davey.
Após uma visita a São Paulo, em 2012, Davey realizou uma nova série de obras relacionadas à cidade, sendo que quatro delas são exibidas aqui. Entre as fotos, que são dobradas algumas vezes e enviadas pelo correio, sem a proteção de um envelope,vemos uma maquete artesanal do MASP (Museu de Arte de São Paulo); uma aranha aprisionada sob um copo (referência à imensa aranha de Louise Bougeois confinada na área externa envidraçada do Museu de Arte Moderna de São Paulo); e um conjunto de equipamentos de som que se assemelha à arquitetura caótica da cidade.
A ação de Roberto Winter opera internamente à nova ordem do comércio global de produtos, uma das últimas fronteiras em que os serviços de correio tradicional ainda não se tornaram obsoletos. A partir de um site de vendas chinês que oferece milhares de itens por um valor ínfimo, com capacidade para entregá-los gratuitamente em qualquer parte do mundo, o artista escolheu um objeto que reforça uma posição ambígua e nebulosa, característica das posturas políticas da atualidade e da dificuldade em representá-las: a máscara “Anonymous/Guy Fawkes”, que foi enviada para parte do mailing da galeria Jaqueline Martins à guisa de convite, ou de alerta.
O projeto inédito “Volta”, de Alexandre Brandão, constrói representações a partir de uma relação entre a residência do artista, agências de correio de São Paulo e a prática da deriva.Brandão faz alguns percursos aleatórios pela cidade, de ônibus, em direção a estes postos e, de lá, endereça para si mesmo uma carta, cujo conteúdo são os desenhos destes trajetos,agora expostos.
A Edgard de Souza interessam as mudanças pelas quais passa uma imagem ao transitar entre máquinas e mídias. Dele apresentamos um trabalho de 1998, desde então nunca exibido, criado com base no uso combinado da fotografia e do fax. As imagens (composições feitas a partir do envio e reenvio das fotos a partir desse dispositivo) mostram, em uma série de auto-retratos, a figura do artista em constante movimento – sozinho, em duplas ou trios, formados pela repetição desi próprio. Espécie de emissão-recepção fora do tempo, suas presenças etéreas evocam o corpo espectral da tecnologia, fantasmas que não sabemos se vem do passado ou se projetam em direção ao futuro. Como diria Derrida: “O fantasma, sou eu” [2].
Com a globalização e a invasão da tecnologia da informação em nossas vidas, atualmente os serviços postais servem progressivamente ao fluxo global de mercadorias e bens de consumo, e menos à comunicação pessoal. Os trabalhos de John Kelsey aludem às formas como nos relacionamos entre nós por meio do uso de dispositivos manuais, que nos conectam remotamente a servidores de dados.Seja vivendo na mesma cidade ou em relacionamentos de longas distâncias, é lá que nossos sentimentos se encontram.
A arquitetura móvel do objeto criado por Naná Mendes da Rocha e Serguei Diasse assemelha a um “nó” de comunicação. É um servidor portátil, uma sonda urbana voltada à coleta e difusão de conteúdo e do conhecimento livre. O dispositivo instaura uma rede local e permite o acesso a um banco de dados na internet, faz trocas de arquivos a partir de dispositivos wi-fi, grava vídeos e transmite em tempo real.
“Stopover in Dubai”, de Chris Marker, se apropria de múltiplas gravações CCTV disponibilizadas através da GNTV e da Segurança de Estado de Dubai, e demonstra os métodos da mídia de rede empregados para a vigilância em massa. O filme mapeia os movimentos de várias pessoas que estiveram supostamente envolvidas com o assassinato de Mahmoud Al-Mahout em 19 de janeiro de 2010, em um quarto de hotel de Dubai. Marker deixou as edições originais, legendas e gráficos intactos, mas trocou a trilha sonora do programa de notícias por uma composição escrita por Henryk Górecki. O trabalho é uma representação arrepiante sobre como a tecnologia nos é imposta. Ele desmonta um aparato de poder e demonstra que, apesar de não podermos acessar essas pessoas que assistem a nossos movimentos diários, as gravações que suas máquinas produzem não são tão fugazes e inocentes como se poderia supor.
NOTAS
1 O lado A da fita apresenta “Metaphysical-Telepathic Music, Now You are Talking...”, onde Dudek-Dürer toca o koto, um tradicional instrumento japonês. No lado B ouvimos “514 Anniversary of the Birth of Albrecht Dürer, World Performance, 21.V.1985”, e o artista se apresenta com o sitar indiano.
2 A frase é dita por Jacques Derrida em entrevista à atriz Pascale Ogier para o filme “Ghost Dance” (1983), do diretor britânico Ken McMullen. http://www.pileface.com/sollers/article.php3?id_article=1074#section1