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junho 11, 2014
A espiral e o labirinto por Cristiana Tejo
A espiral e o labirinto
CRISTIANA TEJO
"Nascer, viver e morrer é mudar de formas". Diderot
Subjazem no trabalho de José Patrício estruturas numéricas que alicerçam sua visualidade. Por vezes, as composições cromáticas são ditadas por articulações dos números dos dominós ou dos dados, crescentes ou decrescentes, por exemplo. Em outros momentos, o resultado plástico é gerado por associações de elementos iguais e diferentes, como botões e quebra cabeças. Para os conhecedores de sua poética estas são afirmações amplamente conhecidas. O apanhado de obras apresentado nesta exposição busca expandir esses pressupostos e apresentar ramificações recentes da pesquisa de Patrício. Entram em evidencia as lógicas da espiral e do labirinto, ou seja, a tensão entre um percurso planejado e ascendente e um caminho de imprevisibilidade e de aleatoriedade. As Vanitas (vaidades), expressões artísticas que ressaltam a finitude do ser humano, aglutinam tematicamente o primeiro conjunto de obras. Quando as pinturas vanitas se popularizaram, no século XVII, o mundo europeu passava pelo estremecimento de certezas detonado parcialmente pela ascensão do Protestantismo. Os quadros apresentavam elementos que advertiam severamente sobre a brevidade da vida e a vanidade das riquezas e dos luxos terrenos, sendo quase que constante a presença da caveira ou mesmo do esqueleto inteiro. José Patrício transpõe esta discussão para a atualidade ao trabalhar a imagem da caveira e frases que atentam para a perecibilidade humana. Uma fotografia de um crânio feita numa parede de Veneza é trabalhada digitalmente ate se transformar numa composição modular em tons de cinza, branco e preto. Trata-se de um desdobramento de uma sequência de obras produzidas pelo artista com um quebra cabeça de esqueleto, mas ao mesmo tempo parece apontar para um estravazamento de sua pesquisa sobre possibilidades técnicas de exploração da lógica das combinações. Acompanham Vanitas Venezia, Azulejo e Azulejo II, fotografias também com estruturação modular feitas no Convento de São Francisco, na Paraíba. O desgaste impingido pelo tempo gera padrões aleatórios de desenho, cabendo ao artista a possibilidade de apenas testemunhar e registrar este achado. Um dos entendimentos sobre o labirinto afirma que sua principal função na Grécia Antiga não era a simples busca pela saída ou mesmo ser uma prisão, mas ser principalmente um ambiente de experimentação, sendo, portanto, mais importante o caminho do que o desfecho, a saída. Estamos num ambiente livre da tirania do projeto. Trata-se, portanto, de uma exceção que confirma a regra.
Vanitas qr code encontra-se numa espécie de transição. Tematizam a mortalidade, mas sua forma de materialização obedece a lógica da codificação. O visitante pode usar seu celular para decodificar o que dizem as composições feitas com pecas de quebra cabeças. A estrutura é dada não por números, mas por letras. O qr code é um código de barras em 2D que permite armazenar uma significativa quantidade de caracteres e vem sendo usado em promoções, anúncios e jogos. A obsolescência e a finitude encontram-se não apenas no ser humano mas no próprio aparelho usado para a decodificação, já que o fundamento do capitalismo avançado é a troca sistemática e vertiginosa das mercadorias por outras mais recentes e avançadas. O terceiro momento da exposição nos coloca numa zona de acolhimento, pois somos rodeados de trabalhos que evocam controle e ritmicidade. Vanitas espiral e labirinto desconstroe a lógica do jogo do quebra cabeça. O artista assume as tonalidades matizadas das pecas que vem do fabricante e reorganiza as partes para formar um novo todo. O mesmo quebra cabeça de caveira virado para sua parte impoluta transforma-se em módulos abstratos, afeitos a ordenação. Parece que estamos fadados a desejar que a vida seja espiral, constante e progressiva, mas ela não passa de um grande labirinto.
Cristiana Tejo - 2012