|
junho 5, 2014
Antes da Lógica por Marta Ramos
Antes da Lógica
MARTA RAMOS
Pontogor - Razão, Galeria Emma Thomas, São Paulo, SP - 09/05/2014 a 07/07/2014
O processo de Pontogor é a materialização continuada de uma ação: “por em duvida”. Se os pensamentos, imagens, histórias ou teorias que chamam nossa atenção pudessem ser guardados em uma caixa, ele viveria cercado por milhares delas, totalmente cheias. Elas iriam se acumulando conscientemente desordenadas e esquecidas, enquanto outras novas surgiriam em uma prática contínua de pensamento. Ao mesmo tempo poderia resgatar um desses desenhos guardados o um texto do qual não se lembra a origem ou referencia e os observaria investigando os possíveis significados existentes agora para ele. E neste "fazer é pensar / pensar é fazer", como ele mesmo descreve seu processo, uma imagem antiga encontra uma cadeira esquecida ou um conceito matemático contamina uma barra de metal que alguém já não precisava. São uniões de referências que perderam o sentido com objetos encontrados, em uma tentativa de que o acaso seja o que irá dar estrutura às obras, livre de pensamentos pré-estabelecidos ou racionalizações impostas por uma lógica fenomenológica.
Neste exercício de teoria e práxis, Pontogor poderia identificar-se com a figura do filósofo pré-platônico em busca de perguntas que possam dar respostas à sua percepção do mundo sensível. Neste processo de experimentação, a constante é o tempo, é a pergunta que surge do próprio processo e o que determina o possível, o real ou sensível. Se a lógica ocidental sempre foi baseada em uma estrutura temporal linear que inclui de maneira implícita a ideia de desenvolvimento e decadência, Pontogor foge desta imposição e se coloca num lugar fora desta linha, no qual passado, presente e futuro são apresentados em um mesmo espaço. Portanto, as instalações propostas para a exposição permitem nos transportar a momentos anteriores à invenção do relógio. Logo, o que vemos pode ser o momento em que ainda não é passado ou futuro. Para esta construção o artista combina três elementos: ritmo, composição e peso, sempre postos em tensão. Tensão criada a partir de um estudo empírico, mas que refere-se a estruturas racionais da matemática pura, principalmente o triângulo e o círculo. A tensão que provoca um estado contínuo de instabilidade, inerente à tentativa de controlar a partir de uma não-lógica, como na explicação da origem de um buraco negro.
Há muitas pistas possíveis e perguntas que surgem ao redor de cada um dos elementos reunidos nestas obras. Está implícito no processo de Pontogor deixar as ideias em aberto, num pensamento que é ao mesmo tempo filosófico - Adorno e a natureza ambígua das obras - e científico - Heisenberg e seu Princípio da Incerteza - onde nos é dada a oportunidade da leitura própria de cada espectador, e, portanto, os trabalhos se refazem constantemente. Talvez seja porque a arte é o único campo de atuação independente que resta à essa filosofia primitiva.
Não por acaso, ao entrar em seu estúdio, encontrei o "O Livro do desassossego” de Fernando Pessoa, uma acumulação de fragmentos e cogitações filosóficas sobre o cotidiano, sem nenhuma ordem, dotado de uma lógica desconhecida e uma linguagem intraduzível. Ante estas incertezas e a demanda incessante por respostas sobre o tempo e a razão, Pontogor sublinha uma frase: “A razão é a fé no que se pode compreender sem fé; mas é uma fé ainda”.