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maio 28, 2014
A beleza tóxica do minimalismo mercurial de Nazareth Pacheco por Juliana Monachesi
A beleza tóxica do minimalismo mercurial de Nazareth Pacheco
Nazareth Pacheco - Mercurial, Casa Triângulo, São Paulo, SP - 03/06/2014 a 28/06/2014
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Observando seu trabalho recente, me pego pensando em certas máximas do minimalismo: “Uma coisa depois da outra”, que Donald Judd advogava como princípio de ordenação para evitar a composição formal; “O que você vê é o que você vê”, famosa frase de Frank Stella para despistar a complexidade minimalista, enfatizando seu aspecto literal; e o “Não há como enquadrá-la, é preciso experimentá-la”, de Tony Smith, sobre a transgressão dos limites institucionais da arte e o renascimento do espectador.
Se formos seguir Hal Foster em sua identificação de duas sucessões principais que definem a neovanguarda dos anos 1960 aos nossos dias –a genealogia minimalista e a genealogia pop –, é na primeira que a obra de Nazareth encontrará seus interlocutores. Isso porque a aparente frieza de seus trabalhos e sua ausência de narratividade estão muito distantes da paixão pelo signo e do discurso do trauma que caracterizam a genealogia pop, mas, por outro lado, em absoluta sintonia com a subversão da representação, com a aposta na presença dos objetos da arte e com o jogo fenomenológico entre o corpo e a obra que delineiam a genealogia minimal.
Senão, vejamos. O corpo das obras que integram a presente mostra e/ou, por vezes, seu invólucro, é constituído de acrílico –produzido, recortado e finalizado industrialmente. Os elementos que não são de acrílico são todos serializados: bigornas de bronze, gametas de bronze e tranças, gotas de prata, cabides de bronze, fotografias. Até mesmo o material que protagoniza a exposição, e que poderia suscitar devaneios simbólicos, o mercúrio, adquire um estatuto industrial em série na forma como é apresentado. A disposição dos trabalhos, as soluções de display e, também, a ordenação interna de cada obra silenciam, se não anulam, os deslizamentos metafóricos. São pura presença, pura perplexidade.
Acontece que são formas e materiais para vivenciar: os prístinos pesos de balança, as bigornas interconectadas, a beleza tóxica do mercúrio, o fascínio da arara de roupas imaculada com seus cabides dourados vazios. Pura presença a gerar perplexidade pela resistência ao “significado”. Outros neovanguardistas desta genealogia costumam produzir o mesmo efeito: pense em obras recentes de Carlito Carvalhosa, Jac Leirner, Iran do Espírito Santo. Subvertem a representação e enfraquecem a lógica referencial dos objetos que utilizam ao os disporem um após o outro, em série. Os quatro artistas –Nazareth, Carlito, Jac, Iran –têm também suas estratégias para “contaminar” o referencial minimalista, como bons latino-americanos.
A contaminação promovida por Nazareth Pacheco no conjunto atual de obras é, a meu ver, a serialização de formas arcaicas. A escolha de ferramentas e dispositivos de design vernacular, ou primitivo, aponta para uma conexão entre o que se repete na velocidade pós-industrial do capitalismo tardio e o que se reitera paulatinamente na ordem do primordial. Nessa ruptura com a austeridade do minimalismo, a artista dá espaço à irrupção de memórias no contato com seus trabalhos. E será nesse intervalo de suspensão que cada visitante haverá de acessar o sentido da obra.
The Toxic Beauty of Nazareth Pacheco’s Mercurial Minimalism
Nazareth Pacheco - Mercurial, Casa Triângulo, São Paulo, SP - 03/06/2014 a 28/06/2014
Observing Nazareth Pacheco’s recent work, I find myself thinking about certain maxims of minimalism: “One thing after another,” which Donald Judd espoused as a principle of ordering for avoiding formal composition; “What you see is what you see,” the famous phrase by Frank Stella to foil the minimalist complexity, emphasizing its literal aspect; and Tony Smith’s “There is no way you can frame it, you just have to experience it,” in regard to transgressing the institutional limits of art and the rebirth of the spectator.
If we were to apply Hal Foster’s notion that there have been two main lines that define the neo-avant-garde from the 1960s to our days – the minimalist genealogy and the pop genealogy – it is in the former that Nazareth’s work finds its interlocutors. This is because the apparent coldness of her works and their absence of narrativity are very distant from the passion for the sign and from the discourse of trauma that characterizes the pop genealogy, but, on the other hand, they are absolutely in sync with the subversion of representation, the emphasis on the presence of art objects and the phenomenological game between the body and the artwork that delineate the minimalist genealogy.
We will see if this is the case. The material used in the body and/or enclosure of the works featured in the present show is industrially produced, cut and finished acrylic. The elements that are not made of acrylic are all serialized: bronze anvils, bronze gametes and braids, silver drops, bronze clothes hangers, and photographs. Even the material that plays a leading role in the exhibition and which can inspire symbolic flights of whimsy – mercury – takes on a serialized industrial status in the way it is presented. The arrangement of the works, the display modes, as well as the internal ordering of each artwork all function together to silence, if not annul, the metaphoric associations. They are pure presence, pure perplexity.
It turns out that they are forms and materials to experience: the pristine scale weights, the interconnected anvils, the toxic beauty of the mercury, the fascination of the immaculate clothes rack with its empty golden clothes hangers. A pure presence to generate perplexity through resistance to the “meaning.” Other neo-avant-gardists of this genealogy often produce the same effect: consider the recent works by Carlito Carvalhosa, Jac Leirner, and Iran do Espírito Santo. They subvert the representation and weaken the referential logic of the objects they use by arranging them one after another, in a series. The four artists, Nazareth, Carlito, Jac, and Iran – also have their strategies to “contaminate” the minimalist reference, like good Latin Americans.
The contamination brought about by Nazareth Pacheco in the current set of artworks is, in my view, the serialization of archaic forms. In the choice of tools and devices of vernacular (or primitive) design, the artist points to a connection between what is repeated in the postindustrial velocity of late capitalism and what is gradually reiterated in the primordial order. In this rupture from the austerity of minimalism, the artist opens a space for the emergence of memories in the contact with her works. And it is in this interval of suspension that each visitor will gain to access the work’s meaning.