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janeiro 21, 2014
Construções para lugar nenhum por Luisa Duarte
Construções para lugar nenhum
LUISA DUARTE
As obras reunidas em “Construções para lugar nenhum” são fruto de uma pesquisa que teve como ponto de partida trabalhos de artistas do time da Galeria MV e outros presentes em seu generoso acervo. Ou seja, não havia um partido curatorial à priori. Se existe um fio condutor que alinhava toda a coletiva, ele foi gestado após um olhar atento diante deste universo expandido.
Algumas questões chamaram atenção e tornaram-se os vetores que conduzem a mostra. A persistência da questão do grid moderno, a geometria como herança a ser apropriada e, no mesmo lance, desconstruída. Uma geometria sensível, uma geometria cujo ângulo final não fecha. As formas arquitetônicas do espaço da arte como alvo crítico da institucionalização da mesma. Linhas retas e cores fortes que endereçam uma abstração cuja origem está no tecido urbano das cidades. Metros cuja numeração é não linear, que nada medem de fato, como se estivessem ali somente para recordar a nossa obsessão de tudo calcular, numerar, esquadrinhar. (Amália Giacomini, Anna Maria Maiolino,Antonio Dias,Raymundo Colares,Cildo Meireles)
Comparece uma opacidade nas imagens, aquelas que insinuam caminhos, algo a ser visto mas que não se entrega facilmente, não exibem o ponto a ser alcançado, tampouco deixam límpido o que estamos mirando. Fotografias na contra-mão da objetividade. Textos editados, dando a ver somente fragmentos. Há também pinturas que esboçam pistas de paisagens que aspiram a lugar nenhum. (Luiza Baldan,Mauro Restiffe,Enrica Bernardelli, Omar Salomão, Gisele Camargo,).
Notamos acúmulos de tinta, volumes sem narrativa, anti-discursivos. Somente o vermelho, o branco. O DNA da pintura, de toda e qualquer pintura ainda a ser feita (MarciaThompson). Uma construção de natureza pictórica com panos e costuras enferrujadas, fruto de gestos obsessivos que formam uma grade fora de esquadro (Jaqueline Vojta). Completando essa sucessão de travessias na quais importam antes o meio, do que a partida ou a chegada, temos diante de nós os elementos vazados, que atravessam o espaço, não se completam (a cadeira de Enrica Bernardelli, a manta de Tatiana Grinberg, o círculo que falha de Beatriz Caneiro).
Assim, “Construções para lugar nenhum” surge como a cartografia de uma cidade iniciada, mas cujos edifícios não foram concluídos, não por falta de tempo ou material, mas porque é exatamente a construção que interessa, e não o seu acabamento. Habitar este entre, este espaço resistente a definições, a discursos amarrados, cristalizados. É a tudo isso que parecem aspirar as obras reunidas na exposição. Em uma época na qual o resultado é prioridade, fazendo de planejamento, eficiência e competência palavras de ordem, um pouco de construções para lugar nenhum podem gerar um ar mais leve em meio a tamanha pressão por se chegar a algum lugar. Não deixar de construir, mas quem sabe construir tendo em vista o próprio gesto e não o que dele pode advir. O lugar nenhum é agora mesmo.