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setembro 26, 2013

Julio Le Parc: Uma busca contínua por Estrellita B. Brodsky

Julio Le Parc: Uma busca contínua

ESTRELLITA B. BRODSKY

Julio Le Parc - Uma busca contínua, Galeria Nara Roesler, São Paulo, SP - 04/10/2013 a 30/11/2013

[Scroll down to read in English]

Ao longo de seis décadas, Julio Le Parc buscou de maneira sistemática redefinir a própria natureza da experiência artística, trazendo o que ele chama de “perturbações dentro do sistema artístico”. Ao fazer isso, ele brincou com as experiências sensoriais do público e deu aos espectadores um papel ativo. Com seus colegas membros do Groupe de Recherche d’Art Visuel (GRAV) – um coletivo de artistas criado por Le Parc com Horacio García Rossi, Francisco Sobrino, François Morellet, Joël Stein e Jean-Pierre Vasarely (Yvaral) em Paris no ano de 1960 –, Le Parc gerou encontros diretos com o público ao desmontar o que eles consideravam ser as amarras artificiais das estruturas institucionais. 1 Como expresso em seu manifesto Assez de mystifications [“Chega de Mistificações”, Paris, 1961], a intenção do grupo era encontrar maneiras de confrontar o público com obras de arte fora do ambiente museológico por meio de intervenções em espaços públicos com jogos subversivos, charges de cunho político e questionários bem-humorados. 2 Com tais estratégias, Le Parc e o GRAV transformavam espectadores em participantes com maior autoconsciência, tanto alcançando uma forma de nivelamento social como antecipando algumas das estratégias relacionais e colaborativas sociopolíticas que vêm se proliferando ao longo das duas últimas décadas.

Após a dissolução do GRAV em 1968, Le Parc continuou se dedicando ao que chama de “una búsqueda permanente” (uma busca contínua) por uma experiência artística que nunca supõe ditar um efeito pré-determinado. Em vez disso, seu esforço é no sentido de provocar uma resposta espontânea do público. Movido por um ethos utópico arraigado, Le Parc usa sua arte interativa ou imersiva como um laboratório social, produzindo situações imprevisíveis e estimulando de forma provocativa o envolvimento do espectador no processo de criação artística. Le Parc falou da função dual que tem sua obra, a de intervenção e a de crítica ao autoritarismo, em uma declaração de 1968: “Busco [busquei] criar ações práticas que se contraponham aos valores existentes… [para] criar situações… [que vão contra] qualquer tendência ao estável, ao durável e ao definitivo.” [Julio Le Parc, Guerilla culturelle, Paris, março de 1968].

A produção artística de Le Parc evoluiu de estudos geométricos bidimensionais, com pequenas caixas de luz, para instalações de grande porte, ambientes imersivos e intervenções públicas na rua. No entanto, essa produção diversa tem em comum uma função desestabilizadora central: provocar a interação do indivíduo com seu ambiente, exigindo, ao mesmo tempo, um reconhecimento daquele envolvimento. A obra de Le Parc chamada Sphère bleue (Esfera azul, 2001/2013) é um enorme globo de quatro metros de diâmetro composto por quadrados de acrílico azul transparente que parece estar magicamente suspenso no ar. A luz refratada na parte exterior da esfera inunda o espaço que circunda o globo com um azul vibrante.

A experiência perceptiva que os visitantes têm da esfera oscila entre vê-la como algo que é transparente e impenetrável e, ao mesmo tempo, frágil e monumental; algo que distorce o que se vê além e cria a consciência de se estar vendo e sendo visto em um espaço comum recém-transformado.

Os componentes físicos das obras de Le Parc – folhas de material refletivo penduradas, esculturas enormes feitas de acrílico transparente, pinturas geométricas, estruturas de luz motorizadas, telas de metal distorcidas – são tão impressionantemente variados quanto as próprias estruturas. O feito geral, no entanto, é criar um ambiente e uma impressão que alteram os sentidos e são, muitas vezes, desorientadores. Em esculturas como Cellule à pénétrer adaptée (Célula penetrável adaptada, 1963/2012) ou Formes en contorsion (Formas em contorção, 1971), Le Parc dá ênfase à mutabilidade da percepção. A fragmentação se torna inerente à apreensão de obras nas quais espelhos, luzes refletidas ou projetadas, diferentes tipos de óculos, jogos e interações físicas confundem os sentidos. Assim, perspectivas cambiantes criam um dinamismo interno ou uma instabilidade essencial por meio das quais Le Parc questiona a precisão subjetiva e os modos tradicionais de exibição que, de acordo com o que ele escreve em seu influente texto Guerrilla culturel, servem apenas para perpetuar estruturas sociais de dominação.

Com os mesmos objetivos, Le Parc também realizou pesquisas dentro da fenomenologia das estruturas por meio da pintura bidimensional, de superfícies planas animadas com permutas aparentemente ilimitadas de formas geométricas simples. Em estudos preparatórios e pinturas, Le Parc reduz e desloca esses elementos de acordo com um sistema predeterminado para criar uma pluralidade de composições sequenciais. Em suas “séries de rotações”, como Séquences de rotation (Sequências rotacionais, 1959) ou Rotation des carrés (Rotação de quadrados, 1959), sequências progressivas nas quais um leve deslocamento de um único elemento de um círculo ou quadrado em padrões reticulados torna-se uma espécie de animação, comportando-se menos como pintura estática do que como um estado perpetuamente transitório. Em outro estudo, com tinta sobre papelão, Sur reticula (Sobre retícula, 1958), Le Parc demonstra como formas geométricas – círculos e retângulos –, quando cortadas em pedaços, podem adquirir uma mobilidade que convida o espectador a imaginar movimento além da moldura em tempo real e sempre presente, embora fugaz.

Para Le Parc, o objetivo é exatamente a interrogação e a reestruturação do entorno imediato. Ele busca uma total cumplicidade que exige do espectador não somente participação ativa, mas também autorreflexão. Dessa forma, a prática de Le Parc vai além do mero espetáculo visual rumo a um envolvimento físico com o presente – a arte enquanto concepção humana, uma que não pode mais permanecer estática ou absoluta.


NOTAS

1 Os artistas do GRAV, Julio Le Parc, Horacio Garcia Rossi, Francisco Sobrino, François Morellet, Joël Stein e Jean-Pierre Vasarely (conhecido como Yvaral), eram membros de um grupo maior conhecido como Centre de Recherche d’Art Visuel antes de separarem, formando o GRAV, em 1960.

2 Groupe de Recherche d’Art Visuel, “Assez de mystifications”. Panfleto distribuído durante a Segunda Bienal de Paris. Setembro de 1961. Reproduzido em Yves Aupetitallot, ed., Stratégies de participation: GRAV—Groupe de Recherche d’Art Visuel, 1960-1968, trad. Simon Pleasance e Charles Penwarden (Paris: Centre d’Art Contemporain de Grenoble, 1998), 71.


A constant quest

ESTRELLITA B. BRODSKY

Julio Le Parc - Uma busca contínua, Galeria Nara Roesler, São Paulo, SP - 04/10/2013 a 30/11/2013

During the course of six decades, Julio Le Parc has consistently sought to redefine the very nature of the art experience, precipitating what he calls ‘disturbances in the artistic system’. In so doing, he has played with the viewers’ sensory experiences and given spectators an active role. With fellow members of the Groupe de Recherche d’Art Visuel (GRAV)—an artist collective Le Parc established with Horacio García Rossi, Francisco Sobrino, François Morellet, Joël Stein, and Jean-Pierre Vasarely (Yvaral) in Paris in 1960—Le Parc generated direct encounters with the public, while undermining what they considered the artificial constraints of institutional frameworks. 1 As their manifesto Assez de mystifications [“Enough Mystifications”, Paris, 1961] announced, the group’s intention was to find ways to confront the public with artwork outside the museum setting by intervening in urban spaces with subversive games, politically charged flyers, and playful questionnaires. 2 Through such strategies, Le Parc and GRAV turned spectators into participants with an increased self-awareness, both achieving a form of social leveling and anticipating some of the sociopolitical collaborative and relational strategies that have proliferated over the past two decades.

Since the dissolution of GRAV in 1968, Le Parc has continued to pursue what he terms ‘una búsqueda permanente’ (a constant quest) for an artistic experience that never presumes to dictate a predetermined effect. Rather, he strives to incite a spontaneous response from the public. Driven by a deeply-rooted utopian ethos, Le Parc uses his interactive or immersive art as a social laboratory, producing unpredictable situations and provocatively eliciting the viewer’s engagement in the art-making process. Le Parc expressed his work’s dual function of intervention and authoritarian critique in a statement from 1968: “I attempt[ed] to create practical actions to contravene existing values… [to] create situations… [which counter] every tendency towards the stable, the durable, and the definitive.” [Julio Le Parc, Guerilla culturelle, Paris, March 1968].

Le Parc’s artistic production has evolved from twodimensional geometric studies, through small light boxes to room-size installations, immersive environments, and public interventions on the streets. Nevertheless, this diverse body of work shares a central destabilizing function: provoking the individual’s interaction with his or her environment while at the same time demanding a recognition of that engagement. Le Parc’s Sphère bleue (Blue sphere, 2001/2013), a monumental globe measuring over four meters in diameter constructed of hanging translucent blue Plexiglas squares, seems to be magically suspended in mid-air. The light refracted off the sphere floods the surrounding space in a vibrant blue. The visitors’ perceptual experience of the orb vacillates between being both transparent and impenetrable, fragile and monumental, one that distorts what one sees beyond and makes one aware of watching and being watched in a newly transformed communal space.

The physical components of Le Parc’s works—hanging sheets of reflective material, monumental sculptures of transparent Plexiglas, geometric painting, motorized light structures, distorting metal screens—are as strikingly varied as the structures themselves. The general effect, however, is to create a sense-altering, often disorienting environment and impression. In sculptures, such as Cellule à pénétrer adaptée (Adapted penetrable cell, 1963/2012) or Formes en contorsion (Forms in contortion, 1971), Le Parc emphasizes the mutability of perception. Fragmentation becomes integral to the apprehension of works in which mirrors, reflected or projected lights, viewing glasses, fun-house games, and physical interactions confuse the senses. Thus, shifting perspectives create an internal dynamism or essential instability through which Le Parc ultimately questions subjective accuracy and traditional modes of display, which, as he wrote in his influential text “Guerrilla culturel”, serve only to perpetuate social structures of domination.

Toward similar ends, Le Parc has also conducted research into the phenomenology of structures through two-dimensional painting, animating planar surfaces with seemingly limitless permutations of simple geometric forms. In preparatory studies and paintings, Le Parc reduces and shifts these elements according to a predetermined system to create a plurality of sequential compositions. In his “rotations series,” such as Séquences de rotation (Rotational sequences, 1959) or Rotation des carrés (Rotation of squares, 1959), progressive sequences of a slightly shifting single element of a circle or square in grid-like patterns, evolve into a form of animation, acting less like a static painting than a perpetually transitory state. In another early ink on cardboard study, Sur reticula (On a grid, 1958), Le Parc demonstrates how the geometric shapes of circles and rectangles when cut into sections can take on a mobility that invites the viewer to imagine movement beyond the frame in real time, always present yet fleeting.

For Le Parc, the goal is nothing less than the interrogation and restructuring of one’s immediate surroundings. He seeks a total complicity that demands of the viewer not only active participation but also self-reflection. In this way, Le Parc’s practice moves beyond mere visual spectacle to a physical engagement with the present—an art form as human construct, one that can no longer remain static or absolute.


NOTES

1 The GRAV artists, Julio Le Parc, Horacio Garcia Rossi, Francisco Sobrino, François Morellet, Joël Stein and Jean-Pierre Vasarely (known as Yvaral), were members of a larger group known as the Centre de Recherche d’Art Visuel before separating as GRAV in 1960.

2 Groupe de Recherche d’Art Visuel, “Assez de mystifications.” Flyer distributed during the second Paris Biennale. September 1961. Reproduced in Yves Aupetitallot, ed., Stratégies de participation: GRAV—Groupe de Recherche d’Art Visuel, 1960-1968, trans. Simon Pleasance and Charles Penwarden (Paris: Centre d’Art Contemporain de Grenoble, 1998), 71.

Posted by Patricia Canetti at 10:09 AM