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agosto 19, 2013
Para Omar, sem medo por Frederico Coelho
Para Omar, sem medo
FREDERICO COELHO
Quando Omar me pediu um texto para sua exposição, fiquei feliz pela sua lembrança e pela sua vontade de ter meu texto associado ao seu trabalho. Ao mesmo tempo, fiquei pensando o que escrever sobre quem consegue como poucos definir em suas próprias palavras o seu trabalho? Mesmo quando as imagens de Omar não trazem escritos sobrepostos ou em diálogo direto com elas, nós temos a forte presença de um texto. Não propriamente de uma narrativa, mas de um texto poético, de um silencioso enunciado que se apresenta de forma sutil. Um grande texto que transborda esta exposição e costura toda a obra em progresso desse artista em movimento.
Omar é um criador da borda. De muitas bordas, aliás. Seus dois livros publicados trazem títulos que o colocam nesse espaço limiar: À Deriva e Impreciso. Sem nenhuma leitura literal dos títulos, vemos que tais escolhas são articuladas com sua poética que enxerga nos interstícios, que aposta no entre, que trabalha com a transparência e a ilusão. Estar à deriva não é necessariamente estar perdido E ser impreciso não é necessariamente ignorar o que se quer. Omar nos mostra que seu trânsito constante entre arte e literatura, entre imagem e palavra, é justamente o espaço em que seu olho se instala.
As obras que ele nos apresenta nessa exposição nos mostram sua abertura ao transitório. Bolas de gelo, livros de luz, voos de pássaros, nuvens, um anoitecer, a morte do amigo, plantas frágeis, tudo isso vai formando uma espécie de vocabulário sobre a singeleza. O transitório de Omar, portanto, é mais do que estar passando de um ponto a outro, é mais do que estar em trânsito. O transitório aqui é a própria condição de nossas vidas. É a nuvem que está mais não está, é o poeta que se foi mas nunca irá, é a gota que escorre mas ficará na imagem para sempre. Omar nos mostra que sua arte nos oferece uma ponte entre nossa vida bruta e o detalhe sempre potente dos breves belos que a compõe.
Ampliando essa conversa, sempre vi no trabalho de Omar, o bom leão, que palavra e imagem não conseguiriam se comportar. Elas se amam, se alimentam, são partes que se completam. Dentro da longa tradição da arte moderna em demarcar a crise da narrativa realista na arte e a constituição do espaço puramente visual do abstracionismo geométrico, Omar opta pela seara dos artistas que resolveram pensar justamente a linha de fuga que une essas duas forças da arte. Entre os campos de poder estético, Omar novamente se instala nas suas bordas. Cria palavras e imagens não como concorrentes, mas como amantes. Palavras não são meras legendas de imagens e imagens não são meras ilustrações das palavras. Há algo orgânico, algo que serpenteia nossos sentidos. Talvez isso ocorra porque não há nenhuma necessidade do poeta se sobrepor ao criador de imagens, e vice-versa. O texto, para Omar, incita a imagem. E a imagem, por sua vez, emula poesia.
De certa forma, é como se seus desenhos e fotos nos dissessem algo em segredo. Suas formas não nos dão rostos. As pessoas são compostas apenas pelos seus detalhes (unhas, pés, andares de costa). As transparências quase veladas dos papéis vegetais somam-se a essa sensação de imprecisão. Há um desejo de deixar nosso olhar em aberto. Um olhar curioso pelo que quase vemos, como a falta de um rosto ou a sombra dos passantes refletida em uma parede. Temos que nos deixar levar pela imagética hesitante que Omar nos apresenta. Pois ela se transpõe para seus textos que comem o mundo das coisas e se rasura sem nos dar pistas do que um dia foi palavra. Todas as imagens e palavras nos levam, como o próprio nos sugere, a um andar em círculos só para gastar energia. Procurar, entrever, supor, criar enfim um elo, mesmo que tênue, nessa rede de transições que Omar criou.
Quando Omar me convidou para escrever esse texto, eu já tinha um esboço na minha cabeça. Desde que nos conhecemos, acompanhei sua trajetória, ora mais longe, ora mais perto. A coincidência de sua exposição acontecer nesse inverno dos nossos descontentamentos foi salutar para mim. Em tempos de raivas libertadoras como energia-motora de muitos que estão nas ruas do país, pude parar por um breve momento para falar da delicadeza e até das coisas mais singelas. Fui reler seus poemas e textos do Impreciso, de 2011, e na sua última página, nos seus últimos versos, Omar lança uma flecha para um futuro que se faz presente. O poeta nos lembra que afinal “não se morre senão de medo”. E tem coisa mais singela, mais frágil em dias como os nossos que a própria vida? Que o medo não nos mate e que esta exposição nos lembre que a potencia das coisas está, sim, na sua beleza. O medo da morte não pode impedir a beleza da vida. Todos à deriva. Como diz Omar, a vida se vive na unha.