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julho 29, 2013
Dirnei Prates - Verdes Complementares por Mario Gioia
Dirnei Prates - Verdes Complementares
MARIO GIOIA
As paisagens fotográficas de Dirnei Prates poderiam se entintar de vermelho. Mas as 12 obras agora apresentadas no Palácio das Artes são composições em que o verde sobressai, com algum destaque também estendido ao azul do céu. Vistos agora em escala generosa, são lugares a priori imersos em tranquilidade. Mas, após visadas consecutivas, percebe-se que o fundo, algo granulado, revela uma outra origem. Algo gera ruído no conjunto dos trabalhos.
Verdes Complementares certamente tem um forte componente político. O artista gaúcho se apropria de fotografias publicadas em jornais populares, com forte acento para notícias sobre violência urbana e acidentes de trânsito, e as reinventa em sua produção. Elimina qualquer traço do fato em si. Assim, corpos feridos, metais retorcidos e atendimentos de policiais e bombeiros são deixados de lado. Os fundos recortados em detalhes quase a perder seu referencial geográfico _ campos, árvores e caminhos podem ser encontrados em quase todo local _ são retrabalhados em ampliações fotográficas, nas quais os grãos das imagens, a trazer à tona a origem da superfície do papel jornal, provocam um desconforto no observador, como a perguntar sobre a ‘veracidade’ do registro colocado à frente.
Prates conduz com habilidade todo o processo. Comenta de forma crítica o mundo espetacularizado e de circulação maximizada de aspectos mais íntimos do nosso cotidiano _ o que dizer de quem lucra ao ancorar de forma sensacionalista tragédias pessoais? _, mas, sem cair em abordagens sociológicas em excesso, termina por criar um corpo de obras formalmente rigorosas e que lidam de modo contemporâneo com questões como a crise da representação e a ‘realidade’ da imagem.
Um dos videoartistas mais interessantes do Brasil _ seus títulos, muitos deles em conjunto com Nelton Pellenz, ganharam exibições e prêmios diversos _ , Prates lança para a produção fotográfica procedimentos já utilizados em audiovisuais anteriores, como o seccionamento, a montagem, a narrativa em fragmentos, realizando, então, construções autorais para serem atentamente percebidas. É como se mixasse Douglas Gordon e Thomas Demand, mas com elementos pessoais de sua vivência rotineira. E não é aleatória que a criação dessas paisagens algo inexpressivas, enfadonhas, provoque diálogos insuspeitos com a tradição da pintura de paisagem feita por aqui. É como se a robustez da natureza retratada em óleos de pintores-viajantes, por exemplo, atualmente tenha se tornado um desmanchado e incompleto pano de fundo para um espírito de tempo bem mais conflitivo, de bordas e contornos nada claros. Verdes Complementares é uma série incômoda, mas Dirnei Prates e sua severa poética nos faz lembrar que o território da arte não é ambiente para sairmos ilesos.