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julho 11, 2013
Was ist Kunst? – Mirrors of Production por Tobi Maier
Was ist Kunst? – Mirrors of Production
TOBI MAIER
A exposição Was ist Kunst? – Mirrors of Production introduz a interrogação “o que é arte?” apresentando uma série de trabalhos feitos por uma seleção de artistas de Brasil e Europa. A mostra não tem a pretensão de responder a este questionamento. A história da arte moderna está repleta de esforços voltados a definir a noção de arte. Was ist Kunst? – Mirrors of Production procura ser um jogo descontraído que expõe a maneira como os artistas encaram a arte, desde uma perspectiva metafísica, estética e/ou histórica, ou bem, vista como um veículo de crítica institucional.
A questão de definir a arte tem também despertado muita atenção de outras esferas do conhecimentos como a literatura e da filosofia. No ensaio O que é literatura? de 1949, Jean-Paul Sartre comentava sobre a autonomia e comprometimento da arte. Sartre estava preocupado principalmente com os meios usados para se alcançar o fim, e escreveu que para ele “a obra de arte é um valor porque é um apelo”. Em seu recente livro O que é Arte? o filósofo norte-americano Arthur C. Danto parece concordar com Sartre quando define que “... uma coisa é considerada uma obra de arte quando carrega um significado”. Similarmente, esta exposição originou-se do interesse em conhecer o que as obras de arte têm a dizer, o que elas estão exortando, as histórias contadas por elas, ou em outras palavras, o mecanismo que elas operam.
No final dos anos 1990, durante uma entrevista com Jean Baudrillard na qual foi discutida sua relação com a arte, o sociólogo e crítico cultural francês argumentou sobre a “metafísica do objeto, da imagem”. Posteriormente ele escreveu sobre o Centro Pompidou, apelidou-o de monstro e afirmou “Beaubourg interessa-me, mas não estritamente como arquitetura, senão que enquanto objeto”. No que diz respeito à arquitetura e ao design, aparentemente a questão sobre qual é o significado e a motivação deles, também tem norteado o entendimento de Baudrillard. O título de esta exposição está então também relacionado com indagações tais como “O que tem ali?” e “Como é isso?” questionando a lógica tradicional objeto-sujeito que tem sido colocada em dúvida desde o minimalismo, e mais tarde, com o advento da chamada estética relacional.
A artista Andrea Fraser considera que a maior parte da arte que vê hoje é uma “produção cultural”. Enquanto a prática artística para ela “resiste, ou tem a intenção de resistir, funcionando como a cultura representativa de um grupo particular – quer seja os produtores, fruidores, ou compradores de arte...”. Dentro desse cânone da arte como uma prática socialmente engajada, a noção de resistência em arte encontra-se também presente quando a socióloga Chantal Mouffe considera a arte como uma plataforma de articulação que pode dar origem a novas subjetividades.
Os escritos de esses pensadores e artistas são algumas das ideias e referências que impulsionaram a concepção de esta mostra, num momento em que o mercado de arte brasileiro atingiu recordes históricos, e obras de arte já não são meramente admiradas por seu valor estético, senão que também são alvo de especulação financeira, sendo consideradas uma mercadoria em escala global.
O título da exposição remete então a um discurso de dentro da crítica de arte, porém numa versão mais literal ele se inspira na pergunta Was ist Kunst? (O que é arte?), que – colocada em alemão – é o título de duas séries de trabalhos, uma delas criada pelo artista sérvio Raša Todosijevic e outra pelo coletivo esloveno IRWIN. Na primeira, “Vítimas” – galeristas, trabalhadores de museus etc. – são interrogados a gritos: "Was ist Kunst?", deste modo Todosijevic formula uma crítica radical ao sistema da arte nos anos 1970. Durante essas performances Todosijevic ficava cada vez mais excitado enquanto as “vítimas” permaneciam indiferentes e totalmente passivas. Em Edimburgo em 1975 o artista questiona numa declaração em formato de manifesto: “Quem obtém lucro com a arte? E quem realmente ganha com ela?” Depois ele lista todas as profissões que direta ou indiretamente se beneficiam com a produção artística.
Um dos mais importantes projetos do grupo IRWIN em meados da década de 1980 foi Was ist Kunst?, que foi se desenvolvendo ao longo do tempo numa série de mais de cem pinturas a óleo emolduradas. Essas pinturas continham montagens de Agitprop (propaganda) socialista realista, e citavam temáticas da arte modernista eslovena da década de 1960. A isso, IRWIN soma figuras arquetípicas Laibach: trabalhadores metalúrgicos, veados, chifres de veado, machados, a imagem de uma pessoa tomando café, engrenagens, e uma cruz preta ao estilo Malevich. Os materiais usados nas pinturas são surpreendentes: sangue, alcatrão, pele animal, carvão, madeira, folha de ouro e outros metais, enquanto as pesadas molduras estão compostas por alcatrão preto, madeira ou carvão. Confundindo os limites entre realismo social e folclore, a coleção de obras evidencia as diferentes ideologias expressadas nas artes.
Ao entrar na galeria, o observador depara-se com os trabalhos de joalheria da artista Ula Johnsen. A decisão de incluir peças de joalheria numa exposição de arte contemporânea enfatiza radicalmente o questionamento apresentado no título do evento. As artes aplicadas têm sido frequentemente marginalizadas no discurso em torno da arte contemporânea, apesar de precoces tentativas de incluir esta prática tão importante nas bienais internacionais, como no caso dos laboratórios propostos por Vilem Flusser na 12° Bienal de São Paulo em 1973. A inclusão desses trabalhos na mostra questiona um aparente elitismo das mídias empregadas na produção de arte contemporânea, e ao mesmo tempo destaca o contexto da galeria como um espaço de comercialização de bens preciosos.
No mesmo espaço se apresenta Stockholm Ping-Pong Cultural Situation de 2006 do artista eslovaco Julius Koller. Ping-Pong Society é um projeto concebido por Koller em Bratislava em 1970. No lugar de uma exposição ele organizou um clube de pingue-pongue onde os visitantes podiam jogar. O trabalho aqui presente é uma das tantas mesas diferentes que o artista produziu durante toda sua vida. Ao longo da última década, os conceitos de Koller de anti-happening, anti-pintura, suas ações, objetos, textos, e o seu arquivo coletado desde os anos 1960, têm recebido merecida atenção. A exposição mostra também uma série de trabalhos relacionados com o UFO Gallery Ganek de 1981, uma galeria ficcional inacessível no maciço montanhoso dos Altos Tatra, resultante das expedições que Koller realizou com um pequeno círculo de amigos.
Durante um festival de arte no teatro municipal São Paulo em 1978, Regina Vater realizou o questionário O que é Arte - São Paulo responde e produziu mais tarde um livro de artista, com as respostas obtidas por parte do público. Em 1980 ela reutilizou o mesmo questionário durante um festival organizado por Charlotte Moorman em Nova York; as respostas coletadas nessa ocasião estão sendo publicadas aqui pela primeira vez. Na sua série X-range da década de 1970, Vater retrata o habitat de seus amigos artistas Paul Newman, John Cage, Lygia Clark, Vito Acconci e outros. Produzida no mesmo período, sua série Arte questiona a metafísica do objeto de arte, atribuindo esse status a uma bexiga rosa, um prato de sopa ou um pedaço de sabão de limpeza. Assim a artista usa estes objetos como parte de um discurso metafórico de critica a arte e seu ambiente.
Gastão de Magalhães é um dos protagonistas do movimento de arte postal brasileiro. O trabalho textual selecionado para integrar esta exibição foi realizado em 1972 e apresentado na 6° JAC (Exposição Jovem Arte Contemporânea) no MAC/USP. No texto, reproduzido aqui, por primeira vez no Brasil, depois daquela ocasião, Magalhães analisa as várias características da arte como um meio de “ação e conhecimento”, um “happening” ou “sequência rítmica”, “uma atividade lúdica” e “certamente uma atividade nada passiva”. A fotografia em preto e branco Isto é Arte, de 1975, retrata o artista com as letras A, R e T, parte de um jogo de letras plásticas usado para a alfabetização de crianças. Com as letras entre seus dentes, prestes a serem destruídas, a peça é também - segundo Magalhães – uma provocação proposital contra o regime ditatorial da extrema direita, que se encontrava no poder naquela época.
No andar de cima da galeria Hugo Canoilas e Viola Yeşiltaç apresentam uma nova série de pinturas e colagens produzida especialmente para este evento. Em Untitled (Sem título), 2012, Yeşiltaç trabalha com tinta vermelha no verso de um vinil vermelho, experimentando sobre uma superfície barata, reaproveitada, criando uma representação de um cenário tropical onírico, inspirado na sua recente visita ao Brasil.
Abrangendo diferentes mídias incluindo escultura, escritura e performance musical, Hugo Canoilas tem frequentemente questionado o significado da arte e sua relação com a vida. Em seu trabalho ele costuma citar líderes políticos ou outros artistas, como por exemplo, a pintura de Albrecht Altdorfer, The Battle of Issus, de 1528-29, ou a trágica imagem de Pieter Bruegel, The Blind Leading the Blind (A Parábola dos Cegos), de 1568, ou de Henrique Bernardelli (1857 – 1936), Últimos momentos de um Bandeirante, de 1932. Nas colagens produzidas para esta mostra a apropriação de imagens encontradas domina a superfície da tela, que aparenta ter sido cortada ou rasgada bruscamente.
Finalmente, a obra My World (Meu Mundo), de 2006, foi produzida pelo artista romeno Dan Perjovschi em colaboração com o artista e compositor sul-africano Mark Schreiber. Exibida no final do percurso expositivo, My World combina visceralmente os desenhos em preto e branco digitalizados de Perjovschi com as composições descontraídas, bem humoradas de Schreiber, criadas a partir do processamento dos sons eletrônicos registrados do ato de desenhar. No seu estilo espirituoso único Perjovschi retrata questões políticas (institucionais) iminentes e recorrentes e as realidades confrontadas por ele dentro e fora dos espaços expositivos.
Consequentemente Was ist Kunst? – Mirrors of Production é também, assim como toda exposição, um tributo que devemos à produção artística atual, ainda mais depois que o escritor e curador lendário, Seth Siegelaub, escreveu que a arte conceptual dividiria o mundo da arte em “dois tipos de pessoas: artistas e todo o resto.”
Tobi Maier
Paris, Maio 2013