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junho 15, 2013
Sérgio Sister - Pintura e espaço por Fernando Gerheim
Sérgio Sister - Pintura e espaço
Sérgio Sister, Artur Fidalgo Galeria, Rio de Janeiro, RJ - 21/06/2013 a 13/07/2013
FERNANDO GERHEIM
Sérgio Sister diz “corpo de cor” e não, conforme o jargão pictórico, campo de cor. Essa comparação ultrapassa a mera metáfora. O peso – atributo dos corpos – de uma cor é menos uma substância do que, por um lado, a sua diferença em relação às outras cores, e, de outro, resultado da luz que ela absorve e reflete. Assim como, em trabalhos anteriores, Sister produzia, no interior de uma mesma cor, variações contruídas pela direção da pincelada, criando diferenças na suposta homogeneidade, agora ele busca entre uma cor e outra intervalos que parecem deter o olhar em suspensão, adiando o momento de integrá-las numa harmonia, que nunca será simétrica como a do acorde maior. Esse jogo entre identidade e diferença, que afirma a dimensão relacional e o tempo, leva-o a buscar, entre uma cor e outra, intervalos particulares, contrastes delicados, que nos fazem pensar o que elas estão fazendo lado a lado mais do que simplesmente juntá-las na percepção. Sister torna visíveis ao mesmo tempo as cores e os seus intervalos.
Coerente com isso, as cores em seus trabalhos criam movimentos dos quais participa o espaço entre elas e fora delas, ou seja, o vazio, o ar, a arquitetura. Faça pintura, desenho ou objeto, o artista estará sempre articulando questões específicas da pintura. O seu elemento mínimo é a faixa de cor vertical, que ele articula com uma indagação simples: o que acontece quando esse elemento mínimo de uma cor específica é colocado ao lado de outro elemento mínimo de outra cor específica? Delimitada a questão, de modo transparente, inúmeras são as combinações dos matizes do espectro de cores.
O mundo de sobrecultura, saturado de discursos, gera movimentos diametralmente opostos como o lento repouso da luz dessas pinturas. Negando qualquer concepção instrumental da linguagem como comunicação de conteúdos, elas expressam apenas a si mesmas. Em sua espécie de ascese, recusam discursos e sentidos vindos de fora, que possam perturbar a sua língua pictural, espacial, objetal. O universalismo dessa eloquência perceptual é o lugar do comum, ao invés do lugar comum e da padronização.
Talvez se possa ver na utilização de materiais do mundo do trabalho como caixas (de frutas, como as da feira) e pontaletes (escoras utilizadas na construção civil), o reflexo dessa linguagem elementar, essencial, sem frescura. Essas estruturas funcionais, literalmente construtivas, não são abstrações da razão. Sister gosta de contar que a questão que a pintura lhe colocava foi respondida pelas caixas de frutas que ele encontrou no lixo da garagem do seu prédio: as tabuinhas e suas lacunas poderiam retirar as faixas do plano e levá-las para o espaço. Com elas, a mesma cor é percebida de modo diferente se estiver na parte da frente ou de trás da caixa. As cores que lado a lado parecem saltar ou recuar em relação umas às outras, agora fazem isso literalmente. E as tiras da frente criam nas de trás sombras, que são integradas ao trabalho e alargam a sua margem de receptividade às circunstâncias.
Sister visa, como um núcleo, a “solidariedade com diferenciação e complexidade”. A lógica paraconsistente que reúne as cores em seu trabalho segue um critério bem mais sutil que o agrupamento pela média ou a polarização. Diferentes e similares, fluidos e descontínuos, os corpos de cor se encontram no olhar, numa cintilação desacelarada, parecendo buscar, em sua instabilidade, uma convivência. As tiras verticais guardam os sinais da dispersão; de perto, nada é um tipo geral.
Cada vez mais, Sister usa cada vez menos elementos, deixando mais lugar para o espaço arquitetônico, o vazio, as sombras. Os pontaletes – finos e longos, de madeira ou alumínio, revestidos de tela, monocromáticos, vários de valores tonais parecidos de verde, um azul, um preto e um branco, – encostados na parede, formam um portal, talvez uma trave. Esses desdobramentos contemporâneos da pintura não se dirigem apenas ao sentido ótico, com suas montagens cambiantes, mas também à percepção tátil vinculada à arquitetura. Em sua linguagem muda e fluida, Sister integra o próprio espaço em que o trabalho se insere (incluindo suas sombras). Aumentam assim as complexidades e diferenciações do convívio solidário das partes. Elas talvez possam ser comparadas a dois pensamentos que se encontram e iniciam um colóquio.
Fernando Gerheim