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maio 27, 2013

A fé como diálogo por Eduardo Romero

A fé como diálogo

EDUARDO ROMERO

Izidorio Cavalcanti - Nego, branco sobre branco, Dumaresq Galeria de Arte, Recife, PE - 06/06/2013 a 06/07/2013

Pode-se dizer que a Fé é a ação firme de confiança sobre algo que dispensa a necessidade de comprovação/aprovação. Podemos ainda, afirmar que a Fé é a abstinência da Dúvida e que, portanto, a Fé não é uma crença ou aposta, pois estas últimas podem se deixar contaminar pela Dúvida. É sob o simbolismo da Fé que a obra de Izidorio Cavalcanti repousa. Não se trata da Fé religiosa ou ligada a questões dogmáticas, mas sim, ao ato artístico como o caminho ao diálogo. Correlato a isso, temos a imagem do peregrino que corresponde ao indivíduo que faz de sua existência um constante diálogo em busca da purificação, percorrendo uma jornada por diversos caminhos e que faz da Fé o artifício do desapego ao presente.

Com a Fé de um peregrino errante, Izidorio Cavalcanti busca proporcionar a partir de suas telas, objetos e performances, o lócus de diálogo que o aproxima do público habituado ou não com a Arte. Esta constatação é percebida na obra Nego – Branco sobre Branco, performance e produção coletiva concebida durante o Projeto Residências em Fluxo que o artista realizou em João Pessoa em 2010, uma parceria do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães – MAMAM/PE e Usina Cultural Energisa/PB.

Para esta mostra oferecida pela Galeria Dumaresq, Izidorio apresenta o registro da performance que compõe a obra acima citada e que consiste na produção por parte do artista da bandeira do Estado da Paraíba com cal branco. Em sua condição de peregrino, Izidorio Cavalcanti que é pernambucano, se apropria da bandeira-manifesto paraibana. A história dessa bandeira é conhecida; o preto significa o luto em homenagem ao ex-governador do Estado, João Pessoa, assassinado em 1930 e o vermelho a cor da Aliança Liberal que foi o ajuntamento dos opositores à candidatura de Júlio Prestes à presidência da República em 1929. A palavra NEGO está gravada em letras brancas e deriva do verbo Negar na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, afirmação feita por João Pessoa ao negar o sucessor indicado por Washington Luís, presidente do Brasil na época.

Carregada de significados e cores fortes, a bandeira paraibana ganha do artista uma versão purificada com o branco da cal. Em algumas culturas, o branco está associado à transformação, um momento limite de renovação, seja de morte ou renascimento. O branco é o liame que liga o início e o fim, o próprio processo de peregrinação e de Fé na caminhada.

Ainda como resultado desse diálogo, em Nego – Branco sobre Branco, Izidorio Cavalcanti oferece densos e alvos blocos de papel onde convida o público a dilacerá-los e separá-los para posteriormente, uni-los novamente por uma colagem/costura.

Nesse sentido, o ato de Fé do artista peregrino se completa na teia tecida em conjunto com o público que imerso na brancura do papel, obtém camadas de sobreposições sem tons. Os sobretons monocromáticos do branco sobre branco remetem a não distinção entre indivíduos. A não distinção do indivíduo nesse processo não significa a perda de sua individualidade, pois a trama alva é construída no gesto único de cada participante.

A trama alva de papel, linha e cola, pode ser interpretada simbolicamente como o tecido social que é formado dialogicamente pela pulsão individual e a organicidade coletiva. Em relação a isso, a imagem do peregrino como eterno estrangeiro por conta de sua condição errante, vivencia a dupla realidade de prossecução e de ruptura; o tempo peregrino se insere e se arreda constantemente aos meios sociais que cruzam sua caminhada... O peregrino Izidorio Cavalcanti nos oferece essa condição estrangeira em Nego – Branco sobre Branco: invadir o branco do papel e rompê-lo em fragmentos para reconstruí-lo, ou melhor, para dar continuidade a uma nova unidade feita de partes suturadas. Não seria esta uma metáfora de nossa dinâmica sociocultural? Não estaríamos fadados também, a eterna condição de estrangeiros em nossa terra-pátria? Não é verdadeiro que às vezes sentimo-nos estranhos em nosso próprio lar? Que o dia a dia nos obriga a rejuntar os fragmentos da vida para criar um novo todo existencial?

Mais importante que o estranhamento estrangeiro é a experiência do peregrino de continuar o caminho tecendo junto, talvez aqui a qualidade primeira de sua busca, ou seja, da afirmação da condição universal do Homem em sua profunda diversidade. Não estaria o peregrino Izidorio atestando essa busca ao proporcionar ao público em sua heterogeneidade a tecelagem de sua obra/caminho?

O tecer junto associado ao branco reaparece no vídeo Capela de São Izidorio Cavalcanti realizado durante o Programa de Residências Artísticas da Fundação Bienal de Cerveira – Portugal em 2012. Nesta ação, o artista encara o desafio de pintar de branco uma capela abandonada na cidade de Vila Nova de Cerveira e mais uma vez, a trama alva se desloca e ultrapassa fronteiras estrangeiras (Brasil/Portugal).

Por fim, o que move o peregrino é a Fé no devir. O horizonte da caminhada não significa um obstáculo, mas antes, a promessa de novos diálogos. Longe da domesticação dogmática, Izidorio Cavalcanti pautado na Fé, acredita que a Arte em seu labor individual durante o processo criativo possa tomar novos rumos em sua materialização quando feita de maneira coletiva. Parece-me ser esses os votos de Fé do peregrino.

Eduardo Romero
Antropólogo. Professor do curso de Design/CAA/UFPE. Artista Visual.

Posted by Patricia Canetti at 2:08 PM