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maio 26, 2013

O Mar Verterá Meu Coração Selvagem por Luciana Paiva e Matias Monteiro

O Mar Verterá Meu Coração Selvagem

LUCIANA PAIVA E MATIAS MONTEIRO

Allan de Lana - O Mar Verterá Meu Coração Selvagem?, Galeria de Arte do SESC Maranhão, São Luís, MA - 08/05/2013 a 31/05/2013

Arte ambiental de Allan de Lana, na Galeria de Arte do SESC Maranhão

Tenho de me render ao mundo que me rodeia, unir-me às suas nuvens e pedras, para poder ser aquilo que sou. Caspar David Friedrich

Aonde termina a experiência do turista, persevera a experiência do viajante. A viagem talvez seja um exercício da paisagem que persiste. O turista é atormentado pela transitoriedade de sua experiência; vale-se de toda a sorte de dispositivos para reter suas imagens, guardar seus relatos. O viajante sabe que a viagem prossegue, que é interminável. Para ele, não há ponto de retorno ou desfecho que o conduza a um lar apaziguador, ambiente seguro de sua cotidianidade. Viajar seria, de fato, desestabilizar o cotidiano. Ao viajante cabe a experiência singular de seu percurso, aferir a paisagem como deslocamento de seu corpo, fazer do trajeto uma transformação física. O viajante atravessa e é atravessado pela paisagem percorrida em suas minúcias. A visão vedutista é substituída pela experiência mínima, a particularidade que faz do detalhe uma topografia oculta, em que cada fenômeno ínfimo pode repercutir em proporções astronômicas.

Allan de Lana opera um olhar do viajante; um olhar liberto da imagem como instância essencialmente visual. Para ele, a imagem não pode ser reduzida a um único sentido, mas projeta-se em um fluxo contínuo, um turbilhão de acontecimentos e experiências sensoriais. Aqui, a mecânica dos fluidos, a engenharia de uma profusão artrópode, a monumentalidade de um brinquedo ou a propagação sonora se expandem pelo espaço expositivo.

Em sua nova série "Universos Líquidos: Mergulho para a Nuaninfa, Marremoto, Marremanso", somos convidados a experimentar esse ambiente fluído (podemos supô-lo profundo, por vezes abissal), uma fisiologia líquida, epidermes solúveis. A confluência dessas águas (texturas líquidas, imagens visuais e sonoras) revela um equilíbrio tênue, a perpétua tensão rumo a dissolução. O som do litoral (Entorno do Mar) alude a esse território impreciso, cambiante, vacilante, esses universos em pleno transbordar, incontido.

O tema da zona limítrofe imprecisa está também presente na obra “Por favor, não ultrapasse a linha branca!”. Nela, o artista joga com o posicionamento físico do espectador apropriando-se dos elementos formais convencionais do espaço expositivo. A linha branca, como elemento que delimita a aproximação máxima de uma obra, torna-se elemento gráfico e seu título-aviso reforça seu caráter delimitador. Neste contexto, a transgressão é inevitável, a subversão passa a ser condição do deslocamento. O fato de esse jogo inscrever a linha de contenção entre uma pedra e um pequeno avião de brinquedo reforça a malícia pueril da proposta.

Também o enxame gráfico de insetos, sugerindo composições gráficas ou notações musicais, insere-se em um contexto alusivo, próximo daquela disposição que faz, da montanha, pedra ou, do joguete plástico, uma aeronave. O interesse por insetos alados é recorrente na produção de Allan e desde o princípio revelou-se por meio de um interesse gráfico por sua forma (migrando de desenhos e aquarelas para o carimbo, transformando sua forma em uma espécie de símbolo gráfico) com ênfase na mecânica-articulada de sua fisiologia e na tensão entre a delicadeza de sua estrutura física e a agressividade de seus mecanismos de defesa. O enxame flui, escorre em uma coreografia vertiginosa onde desenhos e sons fundem-se em uma única imagem ruidosa.

Em suas pesquisas, Allan de Lana articula uma espécie de intuição científica, manifestação de seu olhar em viagem, que exige dele uma profunda dedicação e rigor: uma precisão processual conciliada com a manutenção de certa precariedade própria das minúcias do mundo. Sua obra é, acima de tudo, investigativa, porque parte de uma observação meticulosa dos fenômenos do mundo; porém, sua ação nos insere em um mapeamento fluido e cambiante do espaço, onde imagens, sons e significados são como substâncias em estados transientes que podem, portanto, ser alterados.

Luciana Paiva e Matias Monteiro*

* Luciana Paiva e Matias Monteiro são artistas visuais, pesquisadores e mestres em Arte na linha de Poéticas Contemporâneas, pela Universidade de Brasília (DF), além de atuarem como arte-educadores na Faculdade de Arte Dulcina de Moraes (Brasília/DF) e na Fundação Bienal (São Paulo/SP), respectivamente.

Posted by Patricia Canetti at 10:39 AM