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maio 22, 2013
Encontro de imagens por Guilherme Bueno
Claudia Bakker apresenta na Anita Schwartz Galeria de Arte, em sua exposição Um encontro entre poetas e pintores, uma nova série de trabalhos nos quais sua investida sobre a questão da imagem assume outros contornos, quando comparados as suas obras anteriores. Não se trata nem de uma ruptura, tampouco de um desdobramento automático do que a artista vinha fazendo, e sim de, parafraseando o título de sua mostra, um encontro de diferentes perspectivas segundo as quais ela estabelece seu processo de construção recíproca de imagens, espaços e metáforas. Dito de outra maneira, em propostas anteriores, alguns elementos “figuracionais”(entenda o leitor a liberdade desse neologismo para evitarmos a palavra “figurativo”, dotada de conotações distantes daquilo que sentimos perpassar o seu pensamento visual; quando sugerimos aqui “figuracional” é para explicitar como um objeto específico extraído de sua vivência atua como catalisador e deflagrador da narrativa da obra, deixando como secundário qualquer problema de ordem representacional associada a ideia de “figurativo”) estabeleciam um eixo, um dínamo – podia ser a maçã, uma camisa, enfim, coisas que se impregnavam de narrativas pessoais e procuravam nisso instalar o trabalho no espaço como um campo dotado de razões e energias próprias. Na presente exposição, a artista opta por uma redução, por uma síntese, em momentos nos quais os objetos a assumirem o protagonismo da narrativa são a cor, o espaço e o gesto estruturante do qual ela lança mão. É fato que se pode indagar se eles não são mesmo contíguos a ponto de serem indistintos, e seguramente tal dúvida é na verdade uma afirmação legítima, compreensível quando nos detemos na maneira como os trabalhos se fazem em sua ocupação da galeria.
Trata-se da série de Composições, na qual Bakker articula telas, fotos, projeções, enfim, variados meios, estabelecendo entre eles nexos próprios. Para valermo-nos de duas analogias, caberia ponderarmos se elas (as composições), assim instaladas objetualmente na parede não repercutiriam, por um lado – e sem implicar nisso uma relação direta – as combined paintings de Rauschenberg, propondo, talvez combined installations, e processos pós-conceituais em que o ato de produção de sentido feito pelo artista é um trabalho de edição. De fato, são possibilidades que atravessam as poéticas contemporâneas e que no caso de Bakker se aproximariam metaforicamente de uma condição de constelações. Visto de imediato, usar a licença de falar em constelações talvez soe vago, mas ela nos é apropriada para refletirmos o quanto o processo de edição acima mencionado, uma vez considerada a criação dos elos que agregam suas partes espelha o mesmo gesto de ”percebermos” algo, tal como acontece quando atribuímos às estrelas no céu uma imagem – absolutamente poética, por sinal. Tal situação, guarda outra nuance quando, considerado nossos dias seculares de hoje, conseguimos nessa mesma visada reconhecer Pégaso (com sua mitologia) e, na melhor perspectiva materialista, tão somente um conjunto de astros siderais. Similarmente em suas Composições há as coisas (pinturas, objetos e tudo mais) e aquilo que lhes escapa, ou melhor, lhe advém e as ultrapassa, em poucas palavras, o sentido poeticamente fundador que habita o espaço.
Mas como se constituem tais campos de força que são cada uma dessas obras? Recorrer novamente ao título da exposição é sintomático: fazer encontrar pintores e poetas é promover um intercâmbio de imagens. Daí a importância decisiva dos títulos escolhidos pela artista (Bairro chinês, Pássaro vermelho, silêncio, Floresta vermelha, A Via Láctea...). Vale observar desde como as cores se tornam coisas (o vermelho ou o verde que instalam paisagens), como também de um procedimento usual na pintura que acabou perdido no tempo, a saber, dos elaborados títulos escolhidos para descrever e situar o espectador diante do que via (e Turner foi um dos exemplos mais característicos). Os títulos desenhados por Bakker são poesias condensadas; talvez não caberia reduzi-los a um paralelo com o Haikai, mas a indução alcançada com economia e riqueza nesses títulos aparentemente casuais guarda uma força significativa, ao se nos abrirem todas as camadas de narrativas condensadas em cada uma das Composições.
Uma última palavra concerne ao “tempo” em que os trabalhos ”acontecem”. Trata-se de um tempo metalinguístico. Tentando ser claro, é a relação entre permanência e perda evocado pelas imagens, que congelam os vestígios de um objeto que deixou de existir, só assim lhe garantindo uma sobrevida (esta era uma das questões-chave das maçãs apropriadas pela artista). Mas ele também é metalinguístico por falar do inescapável funcionamento da obra de arte e seu dilema da estranha sobreposição de um eterno presente. Invertendo tal sentido na exposição, faz-se o contraponto em uma das Composições o livro de Lucio Fontana perfurado, como que conjurando o processo a se sobrepor às reproduções fotográficas e antagonizando as naturezas-mortas abstratas que a ladeiam.
Guilherme Bueno