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maio 16, 2013
Casa entre\aberta por Marcus de Lontra Costa
Casa entre\aberta
MARCUS DE LONTRA COSTA
A minha casa fica lá de traz do mundo
Onde eu vou em um segundo quando começo a cantar
O pensamento parece uma coisa à toa
mas como é que a gente voa quando começa a pensar
“Felicidade”, Lupicínio Rodrigues.
Essa casa parece que se encerra em si mesma. Ela não abre as portas nem janelas, não aceita moradores, nem compreende a existência do abrigo, do descanso e do pouso. Há, entretanto, na sua imagem, um estranho mistério, um discreto convite ao visitante para desvendar seus espaços internos, penetrar nas entranhas da sua carne, casa\corpo que se abre ao vôo ao sonho, aos devaneios e à construção de uma nova realidade construída por uma precisa equação entre o pensar e o agir da artista.
Rosa Oliveira faz parte de uma forte vertente artística que busca interpretar e compreender o mundo através da síntese e da clareza dos meios técnicos e intelectuais que opera. As suas constantes faixas horizontais, planos de cor, fragmentos da paisagem parecem agora buscar o diálogo com outras formas, com outras geometrias que se comunicam com elementos da realidade cotidiana sem jamais abandonar seus compromissos essenciais com a disciplina e a verdade do mundo.
No século passado o modernismo apropriou-se da geometria como instrumento de construção de um mundo idealizado. Caberia ao artista construir artefatos que superassem os limites existentes da pintura, da escultura e da arquitetura. A criação de espaços seccionados através da linha e da cor tinha por objetivo criar portas e janelas para o mundo utópico a ser construído. Com a superação desses postulados, pulverizados por uma sociedade pós-industrial, diversificada e conectada virtualmente, a opção estética desses artistas que acreditam na objetividade e na expressão autônoma do espaço, da forma e da cor pode parecer, para o olhar apressado, algo anacrônico e ultrapassado.
Em meio ao ruído dos bytes acelerados e das imagens de um mundo sem ideologia e em constante transformação, algumas “estranhezas” nem sempre conseguem ser deletadas e o aparecimento de imagens pixeladas revela a base geométrica que forma e estrutura esse exército chinês de imagens vulgares. Assim, parece ser evidente que um dos papéis fundamentais da arte contemporânea é garimpar nesse cascalho e dele retirar elementos formais e estéticos que recuperem a identidade e assim restabeleçam vínculos mais consistentes na relação entre a arte e a vida.
No Brasil artistas como Rosa Oliveira – e também como ela, Sérgio Sister, José Bechara, Manfredo Souzanetto, Beth Jobim, e tantos outros – aceitam sem trauma o diálogo com o passado recente e se inserem na arena contemporânea regida pela diversidade não mais como arautos de uma verdade absoluta e sim, democraticamente como herdeiros de uma nobre linhagem de artistas que sempre buscou se relacionar com a verdade e os mistérios do mundo através da objetividade de seus métodos construtivos. Das clássicas teorias de Platão sobre a arte egípcia e a arte grega, sobre o mimetismo e a verdade, passando por Piero Della Francesca e Rafael, Manet e Cézanne, da arte indígena às esculturas e máscaras africanas, de Picasso a Mondrian, a história da arte se escreve tendo a geometria como base de ação que estrutura e dá sentido aos espaços e às formas.
As pinturas de Rosa Oliveira são elementos de grande potência visual. Ao estabelecer uma ponte sensível entre os elementos geométricos da composição e as poéticas específicas da casa como metáfora do corpo, do abrigo gerador de identidade e pensamento, a artista cria uma série dominada por cinzas e azuis que reforçam a unidade gráfica e a natural elegância das suas pinturas. A eventual presença de tons mais “quentes” e terrosos assinala o seu distanciamento de determinadas ortodoxias cromáticas aproximando-a de leituras mais poéticas e realistas com a paisagem revelada pelo olhar. Trata-se de uma obra densa e sensível produzida por uma artista que constrói cotidianamente, em silêncio e com perseverança, um belo e singular caminho na arte brasileira dos dias atuais.
Marcus de Lontra Costa
Rio. maio. 2013