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maio 10, 2013
Reflexão e Prospecção: Sobre Sala de Espera de Carlito Carvalhosa por Tadeu Chiarelli
Reflexão e Prospecção: Sobre Sala de Espera de Carlito Carvalhosa
TADEU CHIARELLI
Carlito Carvalhosa - Sala de Espera, MAC USP Nova Sede, São Paulo, SP - 10/03/2013 a 08/09/2013
Sala de Espera , instalação concebida por Carlito Carvalhosa para o Anexo Original da nova sede do MAC USP, apresenta uma série de abordagens possíveis, tamanha é a potência de sua proposição. Como, no entanto, ela é a primeira obra pensada para tal espaço, buscarei deter-me na maneira como o trabalho se constitui não propriamente, ou não apenas, com o espaço físico dado, mas com as reverberações da história deste mesmo espaço.
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Concebido no início da década de 1950 , pelo arquiteto Oscar Niemeyer , para servir de garagem ao edifício principal do complexo arquitetônico onde, de início, funcionou a Secretaria de Agricultura do Estado, o espaço – talvez despreocupado de sua função – criava um jogo feliz entre o plano térreo e aquele do mezanino e o conjunto de pilotis. Tal jogo inventava um ritmo que revia em chave moderna e original, a tradição do uso de colunatas em templos e em edifícios não consagrados.
Para animar esses elementos arquitetônicos “puros”, Niemeyer deixou que a luz do dia fluísse por janelões na parede mais alta do edifício, como uma espécie de liga, ou de fio condutor, entre a arquitetura (manifestação do homem, da cultura), e a luz (manifestação da natureza).
No entanto, como se sabe, os projetos no Brasil são de curto prazo e, assim, o edifício que havia sido concebido para servir de apoio à Secretaria, acabou por ser transformado num apêndice da imensa burocracia que assumiu aquele espaço quando, no primeiro prédio , se instalou, por anos, outra dimensão (talvez mais assustadora) da máquina do E stado: o Departamento de Trânsito. Quem se viu obrigado a percorrer o atual Anexo Original do MAC USP no período em que foi convertido em sítio da baixa burocracia, lembra-se do lugar como um espaço digno das metáforas e alegorias de Franz Kafka. Onde a fina relação entre arquitetura e luz, tão importante no projeto original? Afogada entre escrivaninhas, mesas, cadeiras, funcionários, despachantes, e cidadãos atônitos. Uma repartição pública, como a própria expressão pressupõe, corta, reparte, secciona o tempo e o espaço: Niemeyer desfigurado.
Confirmando a velha sina do provisório, também chegou a hora do DETRAN deixar o belo complexo arquitetônico do Ibirapuera cedendo o lugar, agora, para que a Universidade de São Paulo abrigasse o seu prestigioso e prestigiado Museu de Arte Contemporânea.
Em síntese: se no início o conjunto de edifícios foi destinado à agricultura – primeira base de sustentação da economia paulista –, na sequência privilegiou a circulação da riqueza. Fechando o ciclo, agora, finalmente, o continente encontra seu melhor conteúdo: o grande complexo arquitetônico passa a abrigar um acervo artístico fundamental para a compreensão da arte e da história das últimas décadas. É a hora da arte, da cultura, do lazer, a hora do edifício do antigo DETRAN estabelecer os laços com outros espaços arquitetônicos da vizinhança, também ligados à arte e à cultura (a Cinemateca Brasileira, a Fundação Bienal, o MAM o Museu Afro e outros empreendimentos). É de se esperar que, de fato, o grande complexo inaugurado em 1954, agora tenha encontrado a sua destinação última.
Como, no entanto, a reflexão sobre o devir do MAC USP em seu novo espaço não é o foco deste texto, retorno às considerações sobre o Anexo Original da nova sede do Museu e a proposta de intervenção de Carlito Carvalhosa.
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Tive a oportunidade de admirar o espaço do Anexo Original depois de ter sido o edifício complementar do DETRAN e antes de passar pela reforma que o transformou no que é hoje. A experiência poderia ser resumida em apenas uma frase: era o espaço mais perfeito para exposições de arte contemporânea no Brasil. Admirar os dois “pavimentos” (o térreo e o mezanino) e a coleção de pilotis – tudo inundado pela luz brilhante de uma manhã de primavera em São Paulo –, me fez confirmar o que foi um dia o talento de Oscar Niemeyer.
Um espaço arquitetônico ao mesmo tempo forte e sutil, banhado pela luz deslumbrante a ser destinado à arte contemporânea. (E foi nesse momento que me ocorreu convidar Carlito Carvalhosa a ocup á -lo. À época – maio de 2010 –, a produção do artista como que pedia um espaço monumental para se expandir como merecido). Porém, aquela feliz experiência com a obra do arquiteto foi logo interrompida pela informação de que o local mudaria bastante: um sistema de ar condicionado e paredes de drywall já haviam sido adquiridos para aquele espaço e seriam instalados de imediato.
Frente ao irreversível, adivinhei no que se transformaria aquele local, em que arquitetura e luz então se equilibravam com maestria: um imenso “cubo branco”, um portentoso templo de arte, apartado da natureza e da história.
Dito e feito: como todo espaço tradicional de arte moderna, por meio da adaptação pensada para uma arte confinada às suas especificidades preditas, a nova configuração do Anexo Original da nova sede do MAC USP acabou por transformar o edifício tão singular em mais um espaço para a arte tradicional. Ainda um belo espaço – não restam dúvidas – mas fechado em si mesmo, alheio às conexões que seu inventor havia concebido.
Felizmente, porém, Carvalhosa manteve o aceite do convite para a primeira intervenção artística no espaço, mesmo depois da reforma concluída. Felizmente porque o artista, com Sala de Espera , resgata o edifício do destino que, na última reforma, lhe fora traçado: transformá-lo no maior cubo branco brasileiro.
A estratégia de Carlito Carvalhosa para ativar o espaço que lhe foi oferecido, consistiu em tomar como ponto de partida, justamente, o caráter atemporal, “entre parêntesis”, que o Anexo Original assumiu após a última reforma. Para tanto, atacou o principal elemento estrutural da edificação: o conjunto harmonioso de pilotis. A essa quase etérea colunata, que parece emanar como sutil relevo do espaço todo branco, Carvalhosa opôs quase uma centena de antigos postes de madeira, que um dia serviram à rede elétrica.
Vista a intervenção do alto (a partir do mezanino), ou mesmo ao experimentá-la já em seu interior, o visitante perceberá que o artista confere àquele espaço – antes quase sagrado –, uma dimensão irreversível de atualidade. É justamente no jogo entre a série de pilotis e os postes nunca na vertical (todos se posicionam entre o horizontal e o oblíquo), aliado à densidade matérica, à espessura histórica dos postes, que a intervenção de Carvalhosa evidencia sua razão de ser.
O espaço que havia se tornado recluso, fechado em si mesmo, quase uma sala de espera (a sala de espera, o lugar onde sempre estamos entre uma experiência efetiva e outra), revela-se, então, um lugar de ação, de percepção participativa e conscientizadora.
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Sala de Espera , portanto, traz de volta a este espaço um novo pulsar e, dessa maneira, recupera o melhor (de) Niemeyer.
Inaugurar este novo espaço de arte em São Paulo com uma intervenção que demonstra o quanto a arte atual, quando pode e sabe, consegue potencializar o passado, deve ser entendida como a manutenção do compromisso do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, com um lugar em que reflexão e prospecção devem caminhar juntas.
Tadeu Chiarelli
Diretor MAC USP
NOTA
Expressão criada pelo artista e crítico norte-americano Brian O´Doherty para definir espaços expositivos concebidos para que as obras exibidas possam ser apreciadas supostamente sem nenhuma interferência exterior às mesmas (O´DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco. São Paulo: Martins Fontes, 2007).