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abril 28, 2013
Um corpo inteirum por Kennedy Saldanha
Um corpo inteirum
Caminhando, Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, CE - 17/04/2013 a 17/05/2013
- Sobre o corpo e o corporal e a curadoria em questão por Cecília Bedê
- Performance de aprendizagem em grupo por Clara Machado
- Estar com a arte é tudo que pedimos por Juliana Castro
- Ca-mi-nhan-do por Mel Andrade
O corpo pleno sem órgãos é um corpo povoado de multiplicidades” Antonin Artaud
“Escrevo para apagar meu nome”, assim escreveu Georges Bataille. Em seu livro A História do Olho ele busca se libertar da ótica do proibido,valendo-se danatureza pervertida de seus personagens numa sociedade moralmente decadente. O desejo de ser outro, que sempre lhe acompanhou, encontra nesta históriao conforto para o contraditório que tanto lhe atormentava.Tudo isso contido nas linhas e entrelinhas de seus permissivos amantes - personagens sem nenhum pudor.Um corpo sem medo. Um corpo objeto. A natureza sensorial sem limites.
Uma sensorialidade que se contrapõe ao ‘não corpo’ de AntoninArtaud, o corpo sem órgãos, o corpo destituído de convenções, de qualquer relação imposta pelo patriarcado. Um corpo que não necessita de um corpo para sê-lo. Artaud parte da sua experiência de dor, de um corpo problema, um corpo esquizofrênico que não cabia mais no seu propósito artístico de ir além da matéria. Esta matéria peso, senilidade, tortura. A perversão (expurgo) de Bataille e a crueldade (negação/ afirmação) de Artaud, ao falarem sobre este dispositivo por onde o ser se manifesta,ainda hoje encontra ressonância na constituição do contemporâneo e suas formas de propor arte.
Artaud e Bataille dialogam na particularidade de suas vidas com a multiplicidade daquilo que não mais vos pertencem:o corpo. O não corpo de Artaud, delicadamente exposto a sua própria dor e a sensorialidade instintiva,destituída de valores e sem nenhum caráter, de Bataille. O que lhes salva da rigidez agônica dos padrões comportamentais é justamente a possibilidade da negação de sí, enquanto homem, para reencontrar-se na arte completamente metamorfoseado de outros sentidos.
Para falar deste corpo na contemporaneidade,Pierre Weil construiu umbreve tratado sobre a linguagem silenciosa presente na comunicação não verbal. Em seu livro, O Corpo Fala, ele costura os mais diversos caminhos da subjetividade e seus atos comunicativos que podem ser produzidos pelo individuo na vida em comunidade.Para ele, ocorpo não necessita da palavra para afirmar-se, o corpo é dotado de expressão e significados,pois seu conjunto gestual transcende a lógica de métodos específicos por onde nascem as palavras.
E na arte?
Como este corpo pode ser lido, compreendido, atravessado?
O corpo enquanto obra é ausente de palavras?
Estaria ele ausente de sentidos?
Nas artes visuais, um corpo que se conceitua para ser exposto, deixa de ser apenas corpo. Ele vai além de uma dinâmica reducionista, ele é processo. E sendo processo, torna-se um conjunto multifacetado de apropriações que vão da matéria do qual ele é constituído, as matérias pelas quais ele é reinventado. Assim sendo, ele constrói a sua volta todo um abecedário imagético, para que possa ser lido na sua extensão, compreendido na sua dimensão e atravessado na sua conceituação. Corpo Aplicado. Corpo Implicado. Performaticamenteimbricado. Comunicante, verbo reverberante,proponente de caminhos aos olhos do espectador.Caminhos que também podem ser a negação completa de entendimento do caminho do artista, já que a capacidade fruítiva não se adéqua a moldes de apreciação.
O corpo enquanto elemento subjetivo é experiência e experimento artístico, pois seu caráter intervencionista, intimo, personificador de outras linguagens e tessituras vai além da formalidade cotidiana. Engendrado na lógica expositiva do espaço público, o corpo/obra ou a obra/corpo, ganha a dimensão do que se propõe e é nesta troca que verdadeiramente o corpo é processado, liquidificado a ponto de não ser mais corpo, de ser objeto, arte.
Internalizado em seu processo de desconstrução artística, o corpo constitui um legado ativo para a desinstrumentalização do que entendemos pela lógica dos sentidos.
Kennedy Saldanha
Referências Bibliográficas
BATAILLE, George. A história do olho e minha mãe. São Paulo: Livros do Brasil.1988
ARTAUD, Antonie. Eu, Antoine Artaud. São Paulo: Assirio Alvim, 2007
WEILL, Pierre. O corpo fala. São Paulo: Editora Vozes. 1986
JEUDY, Henri-Pierre. O corpo como obra de arte. São Paulo: Estação Liberdade, 2002
OLIVEIRA JUNIOR, Antonio Wellington. O corpo implicado. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2011.