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abril 28, 2013

Sobre o corpo e o corporal e a curadoria em questão por Cecília Bedê

Sobre o corpo e o corporal e a curadoria em questão

CECÍLIA BEDÊ

Caminhando, Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, CE - 17/04/2013 a 17/05/2013

Na enciclopédia virtual Wikipédia, encontramos a definição e contextualização histórica para a “BodyArt” (do inglês, arte do corpo): “é uma manifestação das artes visuais onde o corpo do artista é tomado como suporte ou meio de expressão. O espectador pode atuar não apenas de forma passiva, mas também como voyeur ou agente interativo. As obras de bodyart, como criações conceituais, são um convite à reflexão. Foi na década de 1960 que essa forma de arte se popularizou e se espalhou pelo mundo. Há casos em que a bodyart assume o papel de ritual ou apresentação pública, apresentando, portanto, ligações com o Happening e a Performance. Outras vezes, sua comunicação com o público se dá através de documentação, por meio de vídeos ou fotografia. Suas origens encontram referências no início do séc.XX, na premissa de Marcel Duchamp em que "tudo pode ser usado como uma obra de arte", inclusive o corpo. Além de Duchamp, podem ser considerados precursores da bodyart o francês Yves Klein, que usava corpos femininos como "pincéis vivos", o americano VitoAcconci e o italiano Piero Manzoni”. Antes de justificar a citação da Wikipédia, traçarei o percurso que nos fez chegar até o corpo.

Durante os primeiros encontros do Grupo de Estudos Processos de Curadoria, estudamos mais diretamente sobre o processo de trabalho do curador e a construção de curadorias. Esse processo foi nos envolvendo a ponto de naturalmente nos fazer vivenciá-lo na pele, já que o objetivo final da formação do grupo era a elaboração de uma exposição. Visitamos o acervo do CCBNB - concomitantemente às discussões sobre os textos - com a finalidade de conhecer as obras e escolher algumas para trabalharmos. Diante do pouco espaço da reserva técnica e devido às mudanças pelas quais o centro cultural estava passando, acabamos por ver poucas obras, talvez as mais recentes a comporem o acervo. Mas, apesar do pequeno leque, algo se colocou a nossa frente e nos tomou de assalto: o corpo presente. Os artistas são: Amanda Melo, Carlos Melo, Cristiano Lenhardt, Juliana Notari, Nino Cais, Marina de Botas, Rodrigo Braga, Solon Ribeiro, Thiago Martins de Melo, Waléria Américo e Yuri Firmeza.

De alguma forma, todas as obras vistas contêm, insinuam, indicam ou convidam um corpo. Em muitas o corpo do próprio artista se faz presente, em outras, apenas uma idéia de biografia e intimidade do artista, noutras um convite ao corpo para uma experiência. Essa reunião inicialmente aleatória acaba por se tornar uma rede onde nos sentimos provocados a desvendar, logo, assumimos o tema surgido ao acaso como a crise a ser vivenciada enquanto grupo de curadores. A partir daí começamos uma busca intensa pelo corpo na arte.

Em um primeiro momento, o que vem logo em nossa memória é exatamente o que diz respeito à citação acima, da Wikipédia. A “arte do corpo”, assim como que classificada, do tipo “ismo”, é datada. A partir dos anos 50 já se falava, registrava e vivenciava experiências com o corpo. Em se tratando de obras consideradas contemporâneas, e mais especificamente nas obras que escolhemos como ponto de partida, o que pode ser absorvido como novo, diante da ainda utilização do corpo?Foi ai que chegamos ao texto: “Afinal, o que há por trás da coisa corporal?” de Suely Rolnik, onde a autora traz uma provocação, chamando a atenção para os trabalhos contemporâneos que evocam não o “corpo”, mas sim a “coisa corporal”. A imagem do corpo, a literalidade dele, ele como um suporte quase técnico. Então, deixa no ar a pergunta: onde está o corpo de fato nessas obras? Essa é a pergunta que nos move e que queremos provocar com a exposição.

Em alguns momentos, destacamos frentes que nos levavam ao discurso da exposição.Foram elas: o corpo implicado, a presença do artista ou a sua intimidade, o personagem e a proposição. Questões que, de certa forma, perpassam todas as obras aqui trabalhadas. Com tudo isso, fizemos um passeio por textos que alimentaram nossas percepções sobre o assunto.

“O que pode o corpo?” pergunta Solon Ribeiro em seu texto com mesmo título. Qual a intenção? Horrorizar o espectador, ultrapassar limites, correr riscos, autoflagelar-se? Trata-se de ume energia reprimida ou uma purificação? Suely Rolnik também convoca tais questões quando classifica o corpo na arte contemporânea como tendo dois pólos, o masoquista e o exibicionista. O que seria mais profundo do que o corpo? Os dois incitam. No livro “O corpo como objeto de arte” deHenry-Pierre Jeudy, vemos o uso do corpo como objeto de sedução para o outro, para uma sociabilidade, imortalizado pelo status da arte, o intocável, o mito.

Depois desses posicionamentos mais críticos diante de uma produção artística, nos deparamos com teorias sobre o pensamentodo corpo. Em Davi Lebreton colocamos o pensar o corpo em uma posição ambígua, “pensar o corpo é pensar o mundo”, é operar no mundo e, porque não, inventar o mundo. Trabalhar o corpo significa passar da esfera do dizível para a do realizável. A pergunta não é o que isso quer dizer, mas sim, o que isso faz?

Após analisarmos a ação (esfera do realizável) do corpo, chegamos ao texto de David Lapoujade: O Corpo que não agüenta mais: “O que pode o corpo se refere não à atividade do corpo, mas a sua potência. Mas podemos interrogar a potência do corpo sem invocar o ato que exprimirá esta potência?” Voltamos então às obras escolhidas.Poderíamos nos questionar sobre as potências dos corpos presentes, sem terem elas evocado nosso olhar para os mesmos? “É depois do ato, ou do agente, que a potência é revelada como tal”.

Onde encontrar a potência então? Da modernidade para cá, vemos na arte o corpo passar por dramáticas transformações, onde parece que, para encontrar-se potencialmente, é necessário diminuir-se, deformar-se etc. Chegar até a “lama molecular” (para Deleuze é o último estado do corpo, último nível) para se constituir resistência e assim, potência. O corpo não agüenta mais aquilo que vem de fora, a disciplina Foucaultiana e o adestramento Nietzschiano,o que vem de dentro, o assujeitamento, a interiorização do instinto humano. “É na sua resistência a estas formas vindas de fora e que se impõe ao dentro para organiza-loe lhe impor uma alma, que o corpo exprime uma potência própria. “

Voltamos a um ponto importante discutido nos encontros;ponto implicado na palavra resistência. Em “A Sobrevivência dos Vagalumes”, Didi-Huberman nos provoca a sermos Vagalumes, ou seja, resistências diante do poder dominante da sociedade do espetáculo. Esta provocação, levamos ao ato da curadoria, que deve agir por uma autonomia da subjetividade da obra, ser vagalume no circuito dominante da arte contemporânea, hoje poderosamente mercadológica.

A exposição se chama “Caminhando”, título que faz referência à obra da artista Lygia Clark, que marca um momento importante da arte contemporânea brasileira, quando o corpo passa a não ter mais um papel coadjuvante. Com ela queremos, então, trazer ao espectadornão a resposta, mas sim a pergunta: o que há de mais profundo do que o próprio corpo do artista nas obras em questão?

O caminho percorrido aqui por este texto tem o objetivo não apenas de trazer argumentos para a exposição, mas principalmente de deixar registrado o processo de trabalho do Grupo de Estudos Processos de Curadoria, que tem na mostra “Caminhando”, um lugar de decantação das idéias trabalhadas e alcançadas durante os encontros. O percurso do grupo inclui:leituras e pesquisas coletivas, debates, encontros com artistas, visitas ao acervo e às exposições do centro cultural, produção de textos críticos, seleção de obras e elaboração do projeto da exposição. A intenção foi passar por todo o processo de trabalho de um curador e se deparar com questões, problemas e soluções que este profissional pode vir a encontrar em seu caminho. Vivenciamos a experiência de fazer curadoria e mais do que isso, tivemos a oportunidade de colocar a atividade em questão.

“O que exatamente vocês fazem quando fazem ou esperam fazer curadoria?” é o título da vídeo-instalação dos artistas Yuri Firmeza e Pablo Lobato – que tivemos a oportunidade de ver no CCBNB –e é também a pergunta que se faz hoje. Durante os estudos do Grupo chegamos a quase-respostas, ao encontrarmos depoimentos, entrevistas e falas de curadores, porém, só nos deparamos com algo próximo ao entendimento da curadoria quando nos enxergamos fazendo uma. Percebemos que a busca pelo conhecimento da atividade do curador nos levou a penetrar nela mesma e com isso chegamos à inevitável conseqüência de tanta procura, à exposição.

Cecília Bedê, 2013

Posted by Patricia Canetti at 7:35 PM