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janeiro 26, 2013
Marinhagem: screening instalation por Ana Pissarra, Jorge Quintela e Rachel Korman
Marinhagem: screening instalation
Onde o rio encontra o mar
O pontão da Barra do Douro (foz do Douro, Porto, Portugal) estabiliza as margens do rio e melhora as condições de navegabilidade e de segurança. Esta construção, na coordenada 41.1500° N, 8.6670° W, foi o ponto de partida para marinhagem.
A primeira visita ao pontão foi numa tarde de inverno, em dezembro de 2010, durante um percurso turístico que as artistas fizeram na foz. A forte estrutura de cimento tem vários orifícios abertos para o mar, e a maré provoca a subida de água até a superfície do pontão, libertando um som muito particular.
‘pure pleasure’ é o título do vídeo gravado por Rachel Korman naquela coordenada em 2011, com colaboração de Jorge Quintela.
Uma terceira visita ao espaço aconteceu no final de 2012, com o país mergulhado numa crise financeira que eclodiu para todos os sectores da sociedade, a saída para fora do país imposta a milhares de pessoas e o desnorte político. O poético som da água e do vento de ‘pure pleasure’ transformou-se no naufrágio de ‘Neptunismo’, vídeo gravado por Ana Pissarra em 2013.
João Barrento no livro Umbrais, 1999 (sobre Portugal como destino seguido de mitologia da saudade de Eduardo Lourenço) circunscreve uma reflexão para marinhagem: ‘Em Portugal como destino assistimos a uma espécie de balanço final, revisitação agudizada em vários momentos da sua leitura, de uma galáxia de pensamento que se veio expandindo, desde labirinto da saudade, sob esta forma de hermenêutica mitopoética de uma presumível identidade e de um destino traçado com as descobertas, que teima em não alterar substancialmente as coordenadas da sua rota. Busca de identidade e de destino certamente não ausente ainda hoje, embora em estado de adormecimento, à espera de um beijo que não será com certeza o do euro, e apesar de hoje vivermos, e como escreve Eduardo Lourenço, num regime sem nome que, desde a Revolução que nestes dias festejamos, ‘não suscitou nem emoção nem reflexão consequentes’. E apesar de, pela primeira vez, não sabermos bem o que somos como destino. E não sabemos, porque ninguém quer, ou arrisca, fazer a ominosa pergunta, e muito menos responder-lhe. A direita- a civilizada, e outra praticamente não temos hoje- porque isso a obrigaria a fazer aquilo para que, mesmo essa, nunca esteve muito vocacionada: Problematizar-se. A esquerda- a não renovada-, por pudor da metafísica e por uma fobia visceral da matéria mítica, já em parte responsável, neste século, pela fácil ascensão de fascismo e nazismo; e a esquerda renovada sobretudo devido à hipoteca de largos sectores das suas hostes à imparável investida neo-liberal, de perfil decididamente pragmatista.
Marinhagem explora associações entre memória, identidade e destino, sempre numa lógica de integração da água com o ar. É ao mar a que sempre se regressa. E no vento encontramos a voz para o que restou no coração. São esses elementos, nas suas manifestações mais despojadas, que nos acolhem na sua simplicidade ou violência.