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janeiro 10, 2013
Precisa poesia por Fernando Gerheim
Precisa poesia
FERNANDO GERHEIM
A série Catedral, apresentada em Fluxo de Caixa, mostra de título ambíguo na Artur Fidalgo galeria, é composta de quatro telas malevichianamente brancas, de grandes dimensões, com imagens de galpões industriais que armazenam commodities. O elemento geométrico mínimo é o cubo, modulado para criar, com linhas pretas que se encontram em ângulos retos, a imagem que parece feita por computador. Ao chegar perto, observamos que esses depósitos, apesar de adotarem a ilusão perspectiva e terem tamanho quase natural, são, na verdade, pequenos números, escritos à mão.O depósito industrial é a gestalt desse conjunto de algarismos. Os números são não exatamente o fundo, mas a infraestrutura da figura – como da sociedade dominada por commodities que formatam o mundo contemporâneo em mercadoria.
O cubo,quando ganha função social, passa ase chamar caixa. A distância entre um e outro é aquela entre a abstração geométrica e a figuração. Esses dois lados que a história da arte opõe estão juntos em Catedral. Mais do que isso: a caligrafia de números faz da imagem conceito. Mas o conceito não corresponde a ela, ao contrário do que ocorre no caligrama. O depósito industrial, lugar de acúmulo, significa o oposto da subtração. A catedral é o galpão, mas ela é feita de subtração. O número diminui, algarismo a algarismo, para fazê-la aumentar.
Re-subtrações, no Oi Futuro, mostra que ocorre simultaneamente a Fluxo de Caixa, completa a nova face da linguagem de Climachauska, que tem como característica a construção pela subtração. Há um desdobramento no espaço físico e simbólico: em três dimensões, cria ambientes; esculturas; incorpora cores, utiliza o vídeo, mas, sobretudo, introduz o acaso, trazendo o jogo, sistema de probabilidades abertas, para o seu repertório, e ainda mais, inverte o tempo. O mundo dos algarismos passa da operação de subtração para os fatos da vida social, e torna-se presentede modo invisível.
O número, que na obra de Climachauska não remete à pureza racional, mas à economia política, agora passa a ser parte de jogos. Um jogo de linguagem.O rigor formal está presente em seu trabalho, ao mesmo tempo, como termo de uma operação lógica. Quando universalidade se torna sinônimo de mercado global, esses trabalhos releem criticamente a herança construtiva, abrindo novas genealogias na arte brasileira. Mais do que referência formal, o processo construtivo é aqui um termo cultural com que o artista joga.
Na arte, como na vida, as coisas se ligam por metonímia. As caixas saem do galpão e revestem as paredes da galeria, com suas abas dobradas que saltam do plano. No chão, caixas de papelão formam cubos mágicos. Fluxo de Caixa é completada pelo políptico colorido Rubik, que remete à exposição do Oi Futuro, onde entram em cena o acaso e o jogo.
A seleção, princípio de toda construção, implica na subtração de tudo o que não foi selecionado. Na compreensão sistêmica com que os trabalhos de Climachauska usam os instrumentos da arte para falar da infra-estrutura, o subtraído e o avesso retornam como ordem alternativa do mundo.