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dezembro 6, 2012
Mutatis Mutandis por Marcelo Campos
Mutatis Mutandis
MARCELO CAMPOS
Mutatis Mutandis, Galeria Moura Marsiaj, São Paulo, SP - 07/12/2012 a 30/01/2013
Mutatis mutandis é uma expressão latina que significa “mudando o que deve ser mudado”. Esta é uma experiência que muitas vezes nos confrontamos diante das pinturas. Vemos uma cena e, logo, o artista a altera, mudando coisas de lugar, incluindo informações que quebram a narrativa, deixando evidenciadas imagens que levam a informação para outros sentidos. Ao mesmo tempo, a possibilidade de fazer a arte existir cria quase uma precondição para tal acontecimento, já que a arte é uma transfiguração, precisa exceder os objetos e as imagens, mudando coisas de lugar, retirando a aderência entre fatos e visualidades, deixando a obra ganhar a difícil tarefa de ser intempestiva.
Esta exposição apresenta um conjunto de recentes pinturas, cujas imagens são elaboradas a partir da observação de momentos e situações de transmutação. Poderíamos ligar esta estratégia ao modus surrealista. Porém, o endereçamento do que apresentamos entre imagem e significação não se liga a situações, unicamente, psicológicas. Hoje a arte cria suas próprias heranças.
Nas pinturas de Renata de Bonis, o uso da paleta elabora uma mudança de estados. Percebemos, então, que não se trata de uma visualidade de observação direta, mas de uma interpretação sobre lugares, estradas, casas. Com isso, o tempo é convocado para flutuações entre memória, projeção, ficção. Em Irene Grau, a possibilidade de recursos imagéticos enceta a fotografia tanto em seu processo de formação de imagens quanto nos desfazimentos possíveis. A cor-luz, o RGB, produz uma pintura ampliada em que as telas recebem projeções de acrílicos coloridos e, ao mesmo tempo, são atravessadas pelo efeito óptico. Fábio Magalhães também lida com a pletora de efeitos de um possível uso do realismo fotográfico. Na era do pixel, da imagem que em minúsculos pontos ganham imensas quantidades de informação, a pintura de Magalhães usa altos efeitos de contrastes, brilhos. Alem disto, vemos cenas viscerais serem colocadas em fundos brancos, como se fotografadas em estúdio, o que promove um troca-troca vertiginoso e o que está sendo dito e a mudança de narrativa. Thiago Martins de Mello ganha outro sentido nesta compreensão intempestiva da pintura e das imagens que mudam coisas de lugar. De caráter mais expressivo, suas pinturas tratam de núcleos heteróclitos. Os fatos advêm de fontes distintas e, muitas vezes, contraditórias. Então, o onírico torna-se objetivo e condição para a leitura das áreas, onde histórias são contadas como se fizessem parte de um mesmo folhetim. Sim, como numa narrativa autóctone, popular, Thiago convoca sonhos que explicitam sua própria cama e imagens que fazem parte de crenças afrobrasileiras, da visualidade de desenhos animados ou do penumbrismo tão próprio da pintura expressionista do século XX. Mas, aqui atravessamos o século e podemos perceber a narrativa anterior como herança. Em Fábio Baroli, o ambiente já se elabora trazendo-nos o corriqueiro, o banal. Mas, tudo muda de lugar quando percebemos as insinuações eróticas, incestuosas, os interditos. Em Baroli, o cor e a luz trazem a intensidade do que se quer publicar, anunciar, vender. Desta interpretação, o sol anuncia-se como num comercial de TV. A exibição do corpo parece se destinar às revistas de imagens explícitas ou roubadas de relance.
Esta exposição, assim, mostra que a partir da história da pintura, mutatis mutandis, mudam-se elementos de lugar para se alcançar o que permanece depois que apagamos as luzes das galerias. Teremos alcançado a eternidade. Para Marcel Duchamp, a pintura acabava poucos instantes depois de o artista considerá-la pronta. Como fazer para vencermos o tempo da obsolescência. Mudar as coisas de lugar dá ao fato pintado uma esfera de significação, de circularidade dos signos que só podemos resolver, decifrar, no abstrato do pensamento.
Marcelo Campos, 2012