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novembro 12, 2012

Súbita Matéria Evanescente por Fernando Gerheim

Súbita Matéria Evanescente

FERNANDO GERHEIM

Marta Jourdan - Súbita Matéria, Artur Fidalgo Galeria, Rio de Janeiro, RJ - 14/11/2012 a 05/01/2013

Esculturas feitas de fluidos, calor, ondas, oscilações. De velocidades, de deslocamentos, de dinâmicas térmicas. A matéria em seus estados alterantes. A matéria dos lapsos de pensamento, que invadem o limite do que para o pensamento sempre já passou: a sensação, o tom, o matiz. Fazer aparecer, na imagem, ao retardá-la até um único frame, esse movimento. O movimento que Marta Jourdan filmou é o do tempo interior. A forma dramática no momento súbito e evanescente de uma epifania.

A água não tem forma. O lugar que a contém, recipiente translúcido, explode. De um estado de contenção, concentração, se passa a outro de expansão, dispersão. A dispersão, a água, porém, já estava lá. De um lado, a entropia, latente, infiltrando desordem no sistema; de outro, a força organizadora, a linha do tempo. Marta cria uma situação em que o movimento é o mais rápido – a explosão, a maior desordem possível –, para colocá-lo mais lento, resistir ao máximo. O balé cine-atômico entre essas duas forças, ao mesmo tempo rápidas e lentas, é esculpido na imagem.

A água que explode reaparece como a chuva, e como o jato violento contra a performer-atriz. Cinescultura de velocidades e temperaturas encenada na clareira. A água, o amorfo, o líquido já tendo minado as estruturas depois de um longo período de infiltração silenciosa, irrompe de dentro das paredes. A casa explode. Roupas pelos ares. Extensões narrativas no ar, sem início ou fim.

A passagem de um estado a outro, transformadora, é ao mesmo tempo cíclica. O movimento lento quer deixar de ser cinema; a imagem parada, montada em séries fotográficas, quer se tornar um cinema de largas lacunas entre os frames, rarefeito.

A imagem dói mais do que a memória. A imagem busca sua unidade ainda mais dentro do plano, no frame. Matéria fantasmática. Uma vez isoladas num único quadro, imagens de momentos e situações diversas podem ser combinadas em proto-narrativas abertas. Na clareira, a performer-atriz convida para um chá prosaico forças contrárias da natureza. Elas estão infiltradas no dia-a-dia. O cotidiano nunca é naturalizado em 24 quadros por segundo. Se o cinema é a escrita do real como linguagem, como disse Pasolini, e nós vivemos a 24 quadros, Marta Jourdan filmou a 1000 quadros, mil vezes mais lento. O tempo do pensamento. O pensamento não tem tempo.

Posted by Patricia Canetti at 10:51 AM